Título: Chávez radicaliza sua revolução bolivariana
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Fonte: Valor Econômico, 10/01/2007, Opinião, p. A12

Hugo Chávez inicia hoje mais seis anos à frente do governo venezuelano com a firme intenção de aprofundar sua "revolução socialista do século XXI". Ele anunciou que vai reestatizar as empresas de telefonia, energia e água, assumir o controle acionário das multinacionais do petróleo que operam na Bacia do Orinoco e mudar a Constituição para torná-la compatível com a transformação "bolivariana" em curso. Para isso, Chávez disse que pedirá poderes especiais ao Congresso, que, formado cem por cento de adeptos chavistas, não lhe negará nada.

Chávez já vinha subindo de tom durante as eleições, quando ameaçou - e a ameaça deve se tornar realidade - propor leis que permitissem mandatos sucessivos sem fim para os eleitos à Presidência. A sucessão ininterrupta de vitórias nas urnas - 1998, 2000, 2004 e 2006 - levou-o a romper as barreiras do bom senso e a adotar como estilo de governo o dirigismo estatal com o verniz enganador do "socialismo", uma receita velha, usada por militares autoritários que pregaram o nacionalismo. São grandes as chances de que repita o retumbante fracasso de seus antecessores.

Ex-golpista, Chávez foi consagrado legitimamente pelas urnas e está usando sua reconhecida popularidade para cercear a democracia e eliminar qualquer oposição. Para isso contou com a ajuda inestimável do tosco antagonismo dos velhos partidos e com a cupidez das elites tradicionais, cujas políticas desastradas criaram mares de miseráveis ao redor de pequenas ilhas de riqueza. Uma tentativa picaresca de golpe de Estado e um boicote leviano da oposição às eleições legislativas deram a Chávez o que ele queria - ausência de opositores no Congresso e a imagem de defensor dos pobres contra os magnatas que arruinaram o país.

Em sete anos à frente da Venezuela, Chávez promoveu programas sociais para as camadas mais pobres com recursos advindos da bonança do petróleo - o barril custava US$ 15 quando assumiu, em 1999, e atingiu média superior a US$ 63 em 2006. Os recursos da PDVSA foram utilizados nesses programas, mais do que nos investimentos na exploração e refino de petróleo. Seguindo padrões já conhecidos de governos populistas autoritários, Chávez usa a estrutura do Estado para organizar as "massas", ao criar cooperativas de produção patrocinadas pelo governo, enquanto estatiza progressivamente todos os setores da economia.

Essa política trouxe benefícios palpáveis para a população miserável da Venezuela e é a base do grande apoio - 63% na eleição de dezembro de 2006 - a Chávez. O outro lado dessa política é a forte redução dos investimentos privados, a não diversificação da base produtiva, hoje dependente apenas do petróleo, e a crescente ineficiência da economia, comandada pelo Estado dirigido por um bando de amigos do presidente.

Há sinais de crise a caminho. Após crescer por três anos a 10%, a Venezuela teve em 2006 a mais alta inflação da região, 17%. Há escassez de gêneros básicos, vendidos a preços subsidiados à população, mas não apenas deles. Uma febre de importação atende a demanda superaquecida em quase todos os setores, inclusive os de artigos de luxo. Com o câmbio centralizado nas mãos do governo e congelado, o mercado paralelo torna-se cada vez mais fonte de negócios rentáveis e fáceis. Ontem, quando Chávez anunciava suas intenções, o bolívar no mercado paralelo valia o dobro do oficial - 4 mil por dólar.

Há também sinais de que o mercado financeiro se convenceu de que Chávez fala sério. O risco Venezuela ultrapassou pela primeira vez em muito tempo o do Brasil e os mercados domésticos despencaram. A Bolsa de Caracas chegou a cair 10%, impulsionada pelo efeito baixista das ações de empresas que Chávez disse que privatizará. O índice de ADRs de empresas venezuelanas em Nova York recuou 33%. Os ADRs da CANTV, maior empresa de telefonia fixa e segunda de celular do país, recuaram 27%. Os papéis da Eletricidade de Caracas, controlada pela AES, encolheram 20% em um único dia. Para piorar as coisas para Chávez, o preço do petróleo levou outro tombo ontem e já caiu 10% em 2007.

Chávez está deixando cada vez mais claro que não deseja empresas privadas no país e que em sua revolução bolivariana cabem apenas o Estado e o partido único que pretende criar. Novos mergulhos das cotações do petróleo colocarão em xeque esse modelo e porão a Venezuela diante de graves turbulências.