Título: O futuro da globalização a longo prazo
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2007, Opinião, p. A13

O que acontecerá com a economia mundial neste ano? Os pontos mais importantes, na perspectiva de curto prazo, foram explorados por meu colega Wolfgang Munchau, na semana passada ("The good, the bad and the ugly scenarios for the year ahead"). Coloquemos uma questão mais ampla: até que ponto é vigorosa e sustentável a dinâmica subjacente à economia mundial?

Como apontou Lawrence Summers em seu artigo mais recente ("A Lack of Fear is Cause for Concern" - "Ausência de Medo é Motivo para Preocupação", 27 de dezembro), em termos agregados a economia mundial cresceu mais durante os últimos cinco anos do que em qualquer qüinqüênio desde a Segunda Guerra Mundial. O crescimento não está apenas vigoroso. Está, também, sendo amplamente compartilhado. Em 2006, segundo o relatório Perspectiva Econômica Mundial, publicado pelo Banco Mundial, as economias dos países de alta renda provavelmente cresceram 3,1%, tendo os EUA atingido os 3,2%, o Japão 2,9% e até mesmo a vagarosa zona do euro 2,4%. Por outro lado, as economias dos países em desenvolvimento, lideradas pelas gigantes emergentes, China e Índia, cresceram 7%, depois de registrar 6,6% em 2005 e 7,2% em 2004.

Esse desempenho aconteceu apesar de significativos choques econômicos e políticos: o estouro da bolha no mercado acionário em 2000, os ataques terroristas em 11 de setembro de 2001, as guerras no Afeganistão e no Iraque, a persistente incerteza sobre futuras grandes operações terroristas, o salto no preço do petróleo, a retórica protecionista em algumas economias de alta renda e um colapso na Rodada Doha de conversações multilaterais de comércio.

Evidentemente, o motor fundamental da economia mundial é imensamente poderoso. Sim, isso é fato. A economia mundial contemporânea está sendo puxada por quatro forças intimamente inter-relacionadas: inovação tecnológica, especialmente o colapso do custo da coleta, análise e transmissão de informações; a entrada, na economia mundial, da vasta maioria dos seres humanos e, acima de tudo, da metade da humanidade que vive no Leste e Sul da Ásia; o processo mediante o qual essas economias estão estreitando seu atraso; e a integração dos mercados mundiais de bens, serviços e capital que denominamos globalização.

A essas forças deveríamos adicionar a condição conjuntural de estabilidade monetária. Aparentemente, aprendemos como manter a estabilidade monetária de um mundo regido por dinheiro criado pelo homem (em contraposição ao padrão baseado numa commodity). O resultado foram baixas taxas de juro nominais. Isso, associado a grandes lucros, crescimento rápido em todo o mundo e melhorias nas posições fiscal e comercial das economias de mercados emergentes, resultou na queda dos spreads de ativos de risco para níveis baixos.

A implicação dessa perspectiva é que uma eventual desaceleração - ou "correção em meio de ciclo" - terá curta duração e será pouco profunda. Não apenas a dinâmica subjacente persistiria, como também tal desaquecimento desencadearia forças compensadoras, como políticas monetárias mais frouxas e, com toda probabilidade, também uma queda no preço do petróleo.

Infelizmente, existe uma perspectiva alternativa. A de que grande parte do mundo registre enormes superávits de poupança sobre investimentos. Para isso, há diversas explicações: o fato de a necessidade de investimentos no Japão e na Alemanha ter diminuído, em comparação com seus dias de elevado crescimento; o grande volume de poupança na China e em algumas outras economias do Leste Asiático; e a maior cautela, por parte dos exportadores de petróleo, quanto a gastar suas receitas, em comparação com a década de 70 e início dos anos 80.

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O esforço para absorver esse superávit produziu duas conseqüências intimamente inter-relacionadas: a primeira foi o surgimento dos denominados "desequilíbrios globais", pelo qual os EUA absorveram cerca de 75% do excesso de poupança do restante do mundo; a segunda foi um longo período de política monetária relaxada, especialmente no Japão e na zona do euro, mas também, por algum tempo, também nos EUA. Isso, argumenta-se, produziu fortes impactos nos preços de ativos, em especial nos preços das moradias em alguns países de alta renda. A forte valorização das moradias, por sua vez, sustentou a demanda em níveis elevados, especialmente nos EUA, Reino Unido e Espanha.

Quanto mais convincente for essa explicação da "liqüidez", torna-se mais plausível que a correção venha a ser mais dolorosa do que acredita a larga maioria dos analistas. O HSBC recentemente manifestou esse ponto de vista pessimista, prevendo, para este ano, um crescimento econômico de apenas 1,9% nos EUA e de 1,8% para o conjunto de países de alta renda. No entanto, mesmo com esse viés algo mais pessimista, o HSBC prevê um crescimento de 6,6% neste ano para os mercados emergentes. Mesmo uma previsão relativamente pessimista assume que o crescimento no mundo em desenvolvimento está, em larga medida, desacoplado da expansão nos países de alta renda.

Como podemos avaliar essas perspectivas? Desde que, em grandes linhas, a hipótese de dinamismo econômico permaneça crível, a economia mundial provavelmente superará dificuldades temporárias, entre elas possíveis necessidades de ajuste de desequilíbrios externos ou volatilidade no preço do petróleo. Mas se a credibilidade daquela hipótese for questionada, então esse otimismo deverá desaparecer.

Então, até que ponto é plausível a persistência da dinâmica subjacente? Em termos de política econômica, colocam-se duas grandes indagações: a primeira é se a inflação será contida; a segunda é se a globalização será sustentada. Sobre a primeira, não há razão para que esqueçamos o que aprendemos tão dolorosamente. Sobre a segunda, porém, há maior incerteza.

Uma razão para isso é que mesmo um desaquecimento relativamente brando poderia implicar numa política mais protecionista em países de alta renda, em particular nos EUA. A percepção generalizada segundo a qual a maioria da população não tem se beneficiado do crescimento recente torna esse desfecho mais provável, ao minar o apoio à globalização, por menos que esta possa ter relação com esse desdobramento infeliz. A economia pode ser global. Mas o palco da política democrática é local. Uma economia aberta torna-se-á insustentável, se a maioria concluir ser contrária a seus interesses.

Ainda mais importantes são os frágeis fundamentos políticos da integração econômica mundial: os EUA estão às vésperas do que poderá ser a mais importante derrota em sua história; um ataque contra o Irã parece possível; e a Coréia do Norte tornou-se uma potência nuclear. Acima de tudo, vivemos em um mundo marcado por mudanças de poder relativo e por instabilidade religiosa e política em grande parte do mundo islâmico.

Assim, a grande interrogação não é se haverá alguma correção - e até mesmo, na pior das hipóteses, uma recessão nos EUA - neste ano. A economia mundial deverá ser capaz de sobreviver a tal tranco, desde que seu dinamismo subjacente continue presente. Muito mais importante é o futuro da globalização econômica. A esse respeito podemos ser esperançosos, mas não confiantes. Sua viabilidade dependerá de liderança esclarecida - uma mercadoria, como de costume, em assustadoramente escassa disponibilidade.