Título: OMC vê riscos no modelo econômico argentino
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2007, Especial, p. A14

A Organização Mundial do Comércio (OMC) considera que "existem riscos quanto à durabilidade" do modelo econômico em vigor na Argentina, apesar dos "notáveis" resultados obtidos, e vê possibilidade de "aterrisagem suave" da economia que cresce quase 9% ao ano. Em relatório que acaba de enviar aos países membros, a entidade atribui o risco principal ao aquecimento da economia e a "distorções" provocadas por medidas heterodoxas adotadas nos últimos anos para reprimir os preços e aumentar a receita do Estado.

O documento, ao qual o Valor teve acesso, servirá de base para os 150 países membros da OMC examinarem, no começo de fevereiro, ações comerciais do governo de Nestor Kirchner. A vigilância de políticas macroeconômicas nacionais é uma atividade considerada fundamental para a OMC, que cada vez mais se preocupa com os efeito que podem ter nas políticas comerciais. A idéia é permitir que os participantes no comércio tenham melhor clareza das condições em que podem operar.

Desde o último exame de sua política comercial, em 1999, a Argentina saiu "com sucesso de uma das mais graves recessões" de sua história, diz o relatório. A retomada veio com o abandono da taxa de câmbio fixa que provocou forte depreciação do peso, a renegociação e redução da dívida externa e uma série de intervenções do Estado nos mecanismos de formação dos preços internos, além de medidas afetando o comércio.

O documento lista os sucessos desde 2003: a economia registra um crescimento acelerado e as contas públicas são superavitárias. A inflação recuou e o desemprego caiu a 11,4%. A proporção de argentinos que vivem abaixo do nível de pobreza é hoje de 34%, comparado a 57% em 2002. O risco-país diminuiu.

A OMC reconhece que a combinação de medidas "pouco ortodoxas" permitiu uma mudança notável da conjuntura econômica. Mas considera que a questão é saber "quais serão as incidências sistemáticas da estratégia sobre o sistema econômico global e se esta poderá evitar ao país uma nova alternância de fases de expansão e de recessão".

A entidade questiona a persistência de certas medidas usadas que foram adotadas em regime de urgência, mas persistem, com efeito sobre produção e comércio. Por exemplo, a aplicação do imposto de exportação, desde 2002. As taxas variam de 5% a 45%, dependendo do produto. Esse imposto se tornou importante fonte de receita pública. Entre 2002 e 2005, sua arrecadação representou 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em média, 9,9% da receita pública total e 62% do excedente primário do governo em 2005.

"Os questionamentos da OMC não são tão velados como em relação a outros países", nota um analista. "O imposto de exportação é importante no superávit fiscal argentino. Mas vai ter de ser substituído por algo algum dia. E aí, o que ocorrerá?"

A Argentina também proíbe ou suspende exportações, como foi o caso de carne bovina e restos de alumínio e cobre, no ano passado. Certos setores, como os exportadores de trigo, aceitaram auto-limitar suas vendas ao exterior.

Além de taxas e restrições quantitativas às exportações, restam as questões na importação. Adicional à tarifa, duas taxas atingem as importações: uma taxa estatística de 0,5% e uma cobrança sobre importações de açúcar.

É proibida a importação de vários produtos, como veículos, autopeças e pneus usados. Licença automática é exigida para todas as importações. O país notificou na OMC nos últimos anos 96 medidas sanitárias e fitossanitárias e 247 regulamentações técnicas.

Enquanto as autoridades argentinas negam existência de controle de preços, preços administrados ou acordo de comercialização, os economistas da entidade apontam o dedo para acordos de moderação de preços, congelamento de certas tarifas de serviços públicos, renegociação de contratos com concessionárias. Desde 1999, chega a 48 o número de processos abertos por investidores estrangeiros contra a Argentina em tribunais arbitrais internacionais.

A OMC menciona também a existência de certos programas de incentivos para atividades específicas. Nota que as vantagens para dois desses sistemas - para importação de máquinas usadas e bens destinados a grandes projetos de investimentos - são vinculados a determinada percentagem de produtos de origem nacional.

Em 2001, em plena crise econômica, o governo argentino reintroduziu as preferências em favor de fornecedores nacionais na atribuição de compras públicas, para estimular a produção local. As margens de preferência variam de 5% a 7%. Os países do Mercosul têm margem de preferência de 3% em relação aos outros estrangeiros. O valor das compras governamentais argentinas é estimado em 2,6 bilhões de pesos.

A intervenção direta do Estado na economia é mais "discreta", limitada a 17 estatais na energia, transportes e serviços financeiros. Mas a OMC faz reparos ao grau de concorrência e recomenda consolidação urgente de certas políticas.

Também insiste que, embora a conjuntura internacional pareça favorável para o país, os riscos existem, sobretudo inflacionários. O crescimento virá acompanhado de valorização progressiva da taxa de câmbio real e lenta redução do saldo comercial.

Para o xerife do comércio mundial, o desafio para os argentinos será de encontrar a maneira "de remediar no mais longo prazo as insuficiências do mercado e as distorções de preços e de abastecimento que permanecem".