Título: Mercados temem contágio do 'efeito Chávez' na América Latina
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini e Guimarães, L. Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2007, Finanças, p. C1

Os investidores reagiram negativamente ontem à estatização de empresas e fim da independência do Banco Central anunciados pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Houve alta nos prêmios de risco dos títulos da dívida externa dos países emergentes, desvalorizações de moedas e queda nas bolsas de valores. O temor é de contágio político em outros países da América Latina, principalmente Bolívia, Equador (cujo novo governo fala em moratória da dívida externa) e Argentina.

Para evitar perdas maiores, investidores de fundos dedicados à América Latina venderam títulos de dívida mais líquidos, como o Global 40, do Brasil, o mais negociado dos mercados emergentes. No final do dia, o risco-Brasil subiu mais de 2%, mas terminou em alta de 0,51% apenas, de 198 pontos básicos. O risco-Argentina subiu 4%, para 230 pontos básicos, e o risco-Venezuela, 4,74%, para 221 pontos básicos.

Para os analistas do Barclays Capital, os prêmios de risco da Venezuela subiram pouco, pois dado o nível de receitas com petróleo do país, continua valendo a pena para Chávez pagar a dívida externa. Segundo eles, os mercados haviam embutido nos preços um certo nível de risco político na Venezuela.

Já a bolsa venezuelana foi mais afetada, com queda de 18,66%. Os acionistas ficaram em dúvida se serão compensados quando as empresas forem estatizadas.

A bolsa de São Paulo chegou a cair 3,25%, impulsionada pela Petrobras e por ações da Vivo, por exemplo, cujo controlador no Brasil, a Telefonica, controla empresas na Venezuela. Mas, no final do dia, já se recuperou, com desvalorização de 1,92%.

O impacto do "efeito Chávez" teria sido menor se a queda nos preços do petróleo, outras commodities e medidas dificultando o investimento estrangeiro na Tailândia não tivessem estressado os mercados financeiros ainda mais.

O petróleo para entrega em fevereiro chegou a cair abaixo de US$ 54,25 o barril, fechando a US$ 55,64. Com o tombo de US$ 0,45, manteve as bolsas americanas a maior parte do dia em baixa. Trouxe à tona temores de que grandes fundos de hedge (mais alavancados) registrem perdas fortes. Na Tailândia, a bolsa caiu quase 3%, para o menor nível em dois anos, após o governo do país impor leis que restringem a participação direta do investidor estrangeiro nas empresas do país a menos de 50%. Os investidores terão 12 meses para se enquadrar.

A percepção geral foi de que o risco dos emergentes se ampliou e bolsa russa despencou 6%. O rand, a moeda da África do Sul, e o peso mexicano também foram afetados, com desvalorização de 0,7%.

Mas, nem tudo foi estresse entre os emergentes. Os governos da Filipinas e da Turquia conseguiram sucesso na emissão de US$ 2 bilhões em títulos no exterior, com prazos de até 2036 e rendimentos tão baixos quanto 6,55% ao ano para os papéis de vencimento em 2032 das Filipinas. O Tesouro brasileiro também emitiu títulos com sucesso no mercado interno. Os mercados brasileiros de juros e câmbio tiveram um dia tranqüilo.

Os investidores não temem uma contaminação política brasileira, segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. Na opinião do economista, o capital estrangeiro sabe que Lula não ficará "comovido com os acontecimentos venezuelanos nem sensibilizado a voltar às suas origens". Segundo ele, os grandes investidores internacionais estavam preparados para guinadas à esquerda na região. E não há grandes aportes em países em marcha discreta ou acelerada para o socialismo. Por isso os efeitos das medidas anunciadas na Venezuela são tímidos. Para ele, "se o Brasil ficar isolado politicamente em relação aos demais países da região, não haverá problema". Nem economicamente, já que a maior parte do comércio brasileiro é com EUA, Europa, Ásia e Oriente Médio.

Para o analista do WestLB, Ricardo Amorim, é hora de comprar Brasil. Segundo ele, os fundamentos do país e seus prêmios de risco ainda elevados tornam o mercado de ações, juros internos e câmbio atrativos nos níveis atuais.

Apenas um terço do nervosismo demonstrado ontem pelos mercados financeiros deve ser atribuído ao "efeito Chávez", disse o economista-chefe da Grau Gestão de Ativos, Pedro Paulo B. da Silveira. Os restantes dois terços - sinais do Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, de que o juro básico não cairá tão cedo, queda das commodities e do petróleo - são ainda os fatores decisivos na piora geral dos mercados, na sua visão. "Esses eventos de base estão promovendo uma mudança destinada à proteção dos portfólios internacionais e Chávez apenas acelera o processo", diz. Para ele, as táticas de proteção afetam o Brasil, mas só no curto prazo. "No médio prazo, o cenário pode se tornar ainda mais conveniente para o Brasil. Cada vez mais vão se restringindo as opções de investimentos na América do Sul. Sobra aqui."