Título: PAC: uma boa aposta
Autor: Delfim Netto, Antonio
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2007, Brasil, p. A2

Se é verdade que a virtude está no meio, o PAC deve ter algumas qualidades. Ele foi vítima de algumas críticas inconseqüentes e seródias por duas tribos de economistas, ambas portadoras de "alguma ciência", mas que têm, em comum, a incorporação disfarçada de alto contrabando ideológico: os estadólatras e os estadofóbicos.

Os primeiros, por teimarem em ignorar que o Estado nas atividades produtivas diretas é, fisiologicamente, ineficiente. Os seus agentes não são o exemplo da coragem de tomar risco e da vontade de competir em respostas aos estímulos (pecuniários e morais, mesmo porque estas não existem), mas muito mais da acomodação à estabilidade no emprego com um nível de esforço adequado ao seu "bem estar" e à segurança de uma boa aposentadoria. Os segundos, por ignorarem que só o Estado constitucionalmente forte pode garantir o funcionamento dos mercados (que exige o respeito absoluto à propriedade privada) e dar-lhes o mínimo de moralidade que leva à sua aceitação.

O bem público que realiza esse "milagre" é a execução adequada de políticas sociais que vão, a pouco e pouco, construindo a igualdade de oportunidade para todo cidadão competir, independentemente de sua origem, cor, religião e nacionalidade. E, esta, só pode ser produzida pelo Estado.

O importante no PAC não é a listagem das obras, mas a sua "idéia-força": o inconformismo com o crescimento medíocre dos últimos 12 anos. Como disse o presidente, "tenho forte esperança que o PAC seja o início de um novo processo de mobilização coletiva que estimule uma mentalidade produtiva em todos os setores sociais e ajude a fundamentar uma verdadeira cultura produtiva, a cultura do trabalho".

A coleção de obras sugerida pelo PAC é importante, mas não é o principal. Ela revela, por um lado, a tomada de consciência com a falta de ação governamental dos últimos 12 anos. Perdemos a idéia de crescimento, sacrificando-a, insensata e gratuitamente, à estabilização monetária. Todos os países que estabilizaram (em geral com planos menos brilhantes do que o Real) voltaram ao crescimento. Esta é a prova irrefutável da acomodação política na sua execução. De outro, a coleção recupera velhas obras anunciadas, mas nunca executadas. São lembranças do famoso rocambole chamado de "custo-Brasil" dos anos 90. Há outras que, anunciadas de "pedra e cal" (inclusive com cerimônias de lançamento), esperam há quase um decênio o seu término.

Uma crítica pertinente é a menor ênfase nas reformas estruturais que precisam ser feitas: a da previdência e assistência social, a trabalhista, a tributária e o controle efetivo das despesas de custeio da União. Mas é justo reconhecer que nada disso foi esquecido no discurso do presidente. Se o PAC, com a sua "idéia-força", conseguir cooptar a sociedade e despertar o "espírito animal" dos empresários, que certamente enfrentam grandes dificuldades (excesso de carga tributária, taxa de juro real extravagante e taxa de câmbio real supervalorizada), ganhará credibilidade para atingir o seu objetivo.

-------------------------------------------------------------------------------- Plano envolve risco, mas é razoavelmente consistente --------------------------------------------------------------------------------

Parece, portanto, razoável entender o PAC como um programa dinâmico, que propõe as condições iniciais para a recuperação do "espírito do crescimento" condicionado: 1) à redução paulatina das desigualdades pessoais e regionais de renda; 2) ao equilíbrio fiscal, à redução da relação dívida/PIB e à superação da vulnerabilidade externa; 3) ao controle da inflação com o sistema de metas, Banco Central autônomo e completa ausência de controle de preços; e 4) à ampliação das liberdades civis e dos direitos democráticos.

É claro que "qua economistas" podemos ficar incomodados com a ausência de uma diretriz que propusesse o ajuste que realmente dá certo e acelera o crescimento: o corte profundo dos gastos públicos, acompanhado da redução da carga tributária e de uma revolução microeconômica. O próprio presidente, implicitamente, reconhece isso, quando afirma que "não estamos na posição cômoda dos que apenas se contentam em falar, mas no papel difícil e responsável de encontrar os meios adequados para fazê-lo".

A verdade simples é que ele não recebeu nas urnas o mandato para fazê-lo. Um dia, talvez, um candidato à Presidência da República (de preferência um dos nossos brilhantes economistas-cientistas), dirá claramente à nação: "Votem em mim: vamos cortar as despesas públicas e reduzir a carga tributária; vamos quebrar os monopólios e aumentar a competição vamos fazer cada um pagar por sua própria aposentadoria e dar a cada desvalido a assistência social compatível com nossa renda per capita; vamos desregulamentar o mercado de trabalho e vamos dar ao mercado o valor supremo na administração pública". E o povo brasileiro, com a mesma certeza do irlandês, do dinamarquês, do finlandês e outros que "acreditaram e se deram bem" vai dar-lhe, majoritariamente, o mandato para fazê-lo.

Por enquanto, contentemo-nos em apoiar uma "aposta" num programa de certo risco, mas razoavelmente consistente, de um governo que deu prova de responsabilidade e que dispõe de instrumentos para corrigir os eventuais efeitos negativos do PAC nas finanças públicas, se os seus objetivos não forem atingidos, ou seja, se o setor privado não der (porque não pode ou não quer) a resposta que o Brasil dele espera.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda. Escreve às terças-feiras

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras