Título: Novo presidente dá tom mais ideológico à estatal boliviana YPFB
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Fonte: Valor Econômico, 30/01/2007, Internacional, p. A15

O presidente da Bolívia, Evo Morales, nomeou um aliado próximo para dirigir a estatal de gás e petróleo, a YPFB. A indicação de Manuel Morales Olivera, que não tem parentesco com o presidente, foi muito criticada pela oposição por ele não ter experiência no setor de energia e pelo seu perfil por demais ideológico.

O estatuto da YPFB, de 2005, estipula que só pode presidir a estatal um profissional com experiência mínima de dez anos liderando grandes empresas e ao menos metade desse tempo no setor de energia. Morales Olivera, que antes dirigia a gráfica de sua família, tornou-se conselheiro da YPFB quando Evo assumiu o governo, no início de 2006. Aparentemente o estatuto da YPFB não foi seguido.

Manuel Morales Olivera é descrito pela Câmara de Boliviana de Hidrocarburos como um "negociador duro" e de visão "ideológica". Ele vai substituir Juan Carlos Ortiz, um especialista no setor petrolífero e ex-funcionário da Petrobras Bolívia, que renunciou ao cargo de presidente da YPFB na sexta-feira.

Estima-se que Ortiz tenha deixado a empresa por discordar da linha adotada pelo governo para o setor de energia. No fim do ano passado, Evo decretou um maior controle sobre o destino do fornecimento de gás. Isso eventualmente pode fazer com a YPFB opte por vender para a Argentina o gás extraído pela Petrobras e que hoje é enviado ao Brasil. A Argentina aceitou recentemente majorar os preços pagos pelo gás boliviano, para US$ 5 o milhão de BTU. O Brasil paga menor de US$ 4.

Para a Petrobras, essas medidas são contrárias ao fornecimento preferencial ao Brasil, que está acordado no acordo assinado entre os dois países em 1996.

Diferentemente de Ortiz, Olivera tem mais experiência política que técnica. Por causa disso, teme-se que ele dê um tom de "cruzada ideológica" no gerenciamento do setor. Ontem, após ser nomeado, ele pediu um minuto de silêncio para "lembrar aqueles que caíram durante a luta pela nacionalização, os mortos e os feridos".

A nacionalização do gás natural boliviano, anunciada no dia 1º de maio do ano passado pelo presidente Evo Morales, não envolveu derramamento de sangue, e sim renegociação dos contratos com as multinacionais de energia que atuam no país.

A câmara que reúne as empresas que exploram gás e petróleo no país usou de um tom mais conciliador para falar do novo presidente da YPFB. "Ele foi bastante duro nas negociações, firmou posição, mas também deu espaço para que as conversações avançassem", avalia o gerente de coordenação estratégica e porta-voz da CBH (Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos), Yussef Akly.

"Ele tem um background político e tem essa visão ideológica", acrescenta. No mês passado, ao deixar um cargo de assessor que tinha na YPFB, Olivera resumiu sua fidelidade ao governo Morales dizendo que iria para onde o amigo achasse mais útil. "Sou um soldado do presidente", disse.

Para a câmara, a troca de comando na petroleira boliviana não alterará muito o ritmo das negociações sobre o preço de gás com o Brasil. A Câmara recebeu a indicação sem surpresa. "Nós o vemos como alguém que conhece o processo e que ajudou obter o que obtivemos até agora", disse Akly, referindo-se à aceitação de empresas estrangeiras às novas condições impostas por Morales para o setor de gás.

O novo presidente da YPFB enfrenta ainda acusações de oposicionistas de que teria favorecido o próprio pai, um deputado do MAS, partido do governo, com contratos privilegiados no setor de gás.

(Colaborou Marcos de Moura e Souza, de São Paulo)