Título: Rodada Doha da OMC recebe um sopro de vida
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2007, Opinião, p. A16

Um novo sopro de vida foi dado na moribunda Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio. Interrompida desde julho por uma série de impasses que se arrastava há meses em negociações inconclusivas, Doha foi ressuscitada durante o Fórum Econômico Mundial, após reunião de ministros e negociadores de 22 países e da União Européia. Realisticamente, dado o fracasso sucessivo de todos os cronogramas estabelecidos, o reinício da rodada nasce sem compromissos formais de prazos, mas com datas limites óbvias. A mais importante delas é julho, quando termina a autoridade para negociar tratados comerciais concedida ao presidente dos EUA, George W. Bush.

Há uma mistura de cálculos políticos e econômicos nessa tentativa de relançamento. O beco sem saída a que se chegou faz alguns negociadores apostarem agora em uma "engenharia reversa" para o entendimento. Desta vez não se colocaria a primazia nos grandes números - para cortes de tarifas e subsídios - para se chegar a um denominador comum para produtos, bens e serviços que se esconderiam sobre cada modalidade, mas sim o contrário. Alguns negociadores acreditam que é possível discutir como ampliar as cotas em mercados de países desenvolvidos que não abrirão mão delas. Isso traria ganhos concretos que poderiam azeitar os mecanismos para um acordo geral. É algo, porém, que precisaria ser experimentado na prática para testar sua eficácia.

De outro lado, os intensos entendimentos paralelos entre emissários dos Estados Unidos e da União Européia abriram a rota das concessões mútuas e estas, a de uma nova tentativa de concluir a rodada. A representante comercial americana, Susan Schwab, nega, mas os EUA estariam dispostos a abater de US$ 22,5 bilhões para algo em torno dos US$ 17 bilhões o teto dos subsídios que concedem aos produtos agrícolas. Já a União Européia concordou, e não há desmentidos sobre isso, em ampliar o corte para produtos agrícolas estrangeiros dos 39% em que bateu pé nas últimas negociações, para 54% agora. Esse número é o que o G-20, do qual faz parte o Brasil, reivindicava como necessário para que também colocasse sobre a mesa concessões mais substantivas nas negociações sobre bens industriais e serviços.

A contrapartida de UE e Estados Unidos para as novas concessões será um corte maior de tarifas para ingresso de seus produtos nos países em desenvolvimento. Como informou o Valor na edição de ontem, a exigência de um corte de coeficiente 15 pode ser abrandada para um coeficiente 20, caso em que a tarifa máxima brasileira declinaria de 33% para 23,9%. A exigência de maior abertura no setor de serviços, porém, seria mais complicada e poderia exigir em alguns casos até uma reforma constitucional no Brasil para sacramentar maior participação de capital estrangeiro no setor.

O cálculo político de relançar a rodada é a tentativa de reverter a atual situação de fraqueza política do presidente americano George W. Bush, que vive seus piores momentos, com um gesto de grande alcance e consequências. Bush autorizou seus negociadores a fazer concessões e agora enviará ao Congresso o pedido de renovação da Trade Promotion Authority, que expira em julho e que lhe dá poderes para fechar acordos que não podem ser modificados pelo Congresso, apenas aceitos ou rejeitados. O grande problema para Bush é que os democratas capturaram a maioria no Senado e na Câmara dos Deputados e eles estão cada vez mais refratários a acordos de comércio. Para dobrá-los, é preciso que haja nas mãos do governo americano boas propostas para serem oferecidas - este foi o sentido das palavras de Schwab no Fórum Econômico Mundial. Isto é, do ponto de vista dos EUA, um avanço teria de ser produzido até lá para que o pedido de renovação da TPA tenha alguma chance de sucesso. Os europeus parecem estar mais preocupados com a dura oposição da França, que vai às urnas em 22 de abril.

Há pouco espaço para otimismo agora, como havia antes. As divergências entre países ricos, entre eles e os emergentes, e entre os próprios emergentes continuam quase do mesmo tamanho que antes e um tiro nas esperanças de um novo TPA para Bush congelará a rodada Doha para 2009, pelo menos. De qualquer forma, abriu-se uma nova e pequena fresta para um acordo e isto, no momento, é o que importa.