Título: "Aliança PSDB-PFL nunca esteve tão sólida"
Autor: Felício, César e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 30/01/2007, Especial, p. A18

Dono do principal cargo eletivo ocupado pelo PFL - a Prefeitura de São Paulo - Gilberto Kassab já se coloca como o principal defensor da manutenção da aliança entre seu partido e o PSDB na eleição presidencial de 2010. O prefeito vai na contramão de líderes do partido, como o prefeito do Rio, Cesar Maia, que, logo depois das eleições do ano passado, sugeriu a candidatura própria. Ambos estão em postos estratégicos caso o presidente da sigla, Jorge Bornhausen, cumpra o propósito anunciado de se afastar, o que deve ser decidido no fim de fevereiro: Kassab é secretário-geral da sigla e Maia, o vice-presidente.

O desacordo entre os dois partidos oposicionistas na disputa pela presidência da Câmara e do Senado não impressiona o prefeito paulistano. Para ele, a parceria PSDB-PFL vive seu melhor momento nos últimos quatro anos.

Dentro do espectro tucano, Kassab não esconde a fidelidade ao governador paulista José Serra, de quem herdou a prefeitura em 2006 e depende de apoio para tentar a reeleição no próximo ano. Chama-o de "líder" e afirma que será Serra quem dará as cartas no processo sucessório municipal.

O bom andamento do governo municipal é questão que preocupa o tucano, que deixou o cargo um ano e três meses depois de assumi-lo. Kassab tenta imprimir sua marca na prefeitura, mas por enquanto só saiu do anonimato para tornar-se alvo de críticas - como no aniversário da cidade, dia 25, quando foi vaiado por ativistas de movimentos sociais. Em seu gabinete no centro da cidade, o prefeito concedeu a seguinte entrevista ao Valor:

Valor: A eleição presidencial de 2010 poderá ser a primeira no país desde 1989 em que Lula não será candidato. O senhor acha que mesmo sem o Lula, a tendência de polarização entre dois grandes blocos permanece? PT-PMDB de um lado, PSDB e PFL de outro...

Kassab: Os fatos hoje evidenciam isso. Um ano atrás, já era visível a aproximação de grandes lideranças do PMDB ao PT. Era Sarney (o ex-presidente José Sarney), Jader Barbalho, eram os mineiros... Tanto é que hoje a filha do Sarney (a ex-governadora Roseana) está no PMDB. O Geddel (Vieira Lima, deputado da Bahia) foi a caminho do PT, o Michel Temer (SP) se alinhou ao PT. Em 2010 acredito que vai ser assim, na eleição nacional. O Brasil não tem espaço para mais de dois grupos políticos expressivos, eu falava. Sempre falei. De um lado há o PT e o PMDB. Do outro, PSDB e PFL.

Valor: Os acontecimentos recentes mostram dificuldades na relação entre os partidos da oposição. Não é possível um cenário com candidaturas separadas?

Kassab: A aliança PFL-PSDB nunca esteve tão sólida. Ela vive seu melhor momento nos últimos quatro anos. Os dois partidos disputaram juntos a eleição na maior cidade do país, São Paulo, e ganharam. Mais do que isso: ganharam, compuseram equipe, o prefeito era do PSDB, agora é do PFL e continua um governo do PSDB com PFL. Os dois partidos ganharam juntos também a eleição para o governo do Estado e elegeram José Serra. E os dois partidos juntos fazem uma oposição respeitada, justa, com críticas honestas ao governo federal. Portanto, a aliança vai muito bem, independe de uma renovação nas direções. Até porque renovar, neste momento, pode ter suas explicações, mas também tem explicações para não renovar. O partido vai muito bem, com quadros que estão se reforçando no Sudeste, no Sul.

Valor: Essa aliança pode ser forte em São Paulo, mas no plano nacional há divergências. Isso foi explicitado durante a campanha eleitoral. Cesar Maia criticou a escolha de Geraldo Alckmin para a Presidência. Agora, os dois partidos optaram por candidatos diferentes para a disputa na Câmara...

Kassab: Alguns quadros do PSDB também achavam que o melhor era Serra. O PFL, que sempre defendeu uma aliança, tinha quadros que achavam melhor o Serra e outros que defendiam o Geraldo. Acho que o PFL e o PSDB marcharam muito unidos durante a campanha. Perdemos a eleição, mas teve muita unidade.

Valor: É grande a possibilidade de a aliança se repetir em 2010?

Kassab: Eu defendo. Acho que são partidos que sabem o quanto fizemos enquanto ficamos juntos no governo Fernando Henrique Cardoso, quantas realizações e projetos foram consolidados. O mais importante foi a derrocada da inflação. Hoje não se fala mais em inflação. Acreditamos que juntos vamos governar de novo o país e retomar níveis de desenvolvimento que apesar das condições muito favoráveis no cenário internacional não temos no país.

Valor: Uma idéia que transita no mundo político é esse sentimento anti-paulista. Esse aspecto regional, o senhor acha que será um item importante em 2010?

Kassab: Não vejo isso não. Acabamos de eleger um presidente da República que é de São Paulo. Durante o processo eleitoral isso foi discutido, mas o povo mostrou que não tem esse sentimento. Não está na pauta essa questão de São Paulo. O Estado tem quase um quarto dos eleitores.

Valor: Nessa parceria, muitos já falaram que o PFL exerce um papel secundário, em um cenário onde o PSDB sempre entra com o candidato à Presidência e o PFL com a estrutura política e a capilaridade nacional....

Kassab: Quem falava isso agora quebrou a cara.

Valor: Por quê?

Kassab: Porque um governo que foi constituído pela aliança é mantido por um prefeito que é do PFL e um dos grandes entusiastas da coligação. Isso mostra a confiabilidade da aliança, dos seus líderes sejam eles do PSDB - e aqui o Serra dá demonstração de confiança na aliança - sejam do PFL.

Valor: O senhor acha que a eleição de 2008 pode ser um teste dessa aliança? O PFL tem as prefeituras de São Paulo e Rio. Não seria natural que o PSDB apoiasse o PFL nos dois Estados?

Kassab: Não é nem natural, nem deixa de não ser natural. Podemos caminhar juntos, como podemos não caminhar juntos. O assunto não está na pauta. Eu defendo a aliança nacional independente de candidaturas. Esta aliança que se elegeu e ganhou as eleições e que vem fazendo um excelente trabalho graças a um plano de governo que tem e está sendo cumprido. Não tem sentido ela não se apresentar em conjunto nas eleições. Mas isso na hora oportuna será discutido. Essa aliança em São Paulo tem um líder. Esse líder é a figura maior da aliança, o governador de São Paulo, José Serra, que com sua competência e sua sensibilidade política saberá liderar o processo.

Valor: A inversão partidária na chapa de 2008 é uma possibilidade real?

Kassab: Como não está na pauta, não posso afirmar nem que é possível, nem que não é. Acho que é muito natural.

Valor: O governador José Serra vai coordenar o processo sucessório municipal em 2008?

Kassab: É a minha vontade pessoal. Sou um homem de partido e da aliança. E como a aliança existe na cidade e no Estado, essa aliança tem no Serra, por ser essa figura maior, o seu líder. No que me diz respeito, vou fazer todos os esforços para fortalecer essa figura como líder dessa aliança e segui-lo naquilo que ele apontar como o melhor caminho. Tenho certeza, também, de que o Serra tem a convicção da importância do fortalecimento da aliança.

Valor: O interesse nacional do PFL não pode se confrontar com essa aliança em São Paulo?

Kassab: Os interesses do PFL são no sentido de fortalecer a aliança. Tenho certeza de que serão interesses convergentes.

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Valor: Qual a sua análise sobre a disputa pela Câmara, em Brasília, e o apoio do PFL a Aldo Rebelo (PCdoB-SP)?

Kassab: O apoio do PFL a Aldo Rebelo foi num momento em que também se desenhava o apoio do PSDB. Depois, o PSDB, por questões de convicção interna, todas legítimas, acabou se afastando dessa tese e o PFL tem dificuldades de se afastar do Aldo. É natural. Mas o Gustavo Fruet (PSDB-PR) seria o candidato natural do PFL. Ele tem a nossa simpatia e se estiver no segundo turno, é evidente que terá o nosso apoio por unanimidade.

Valor: Não é algo estranho esta divergência de interesses com o PSDB, na definição do candidato? Em um primeiro momento, o PSDB apoiou a eleição de Arlindo Chinaglia (SP), do PT. enquanto o PFL ficou com Aldo desde o início. Só agora os tucanos tem como candidato Gustavo Fruet.

Kassab: Não vejo estranhamento. Eu vi uma divisão no PSDB. Às vezes, é possível você conviver com duas tendências no mesmo partido. Aqueles que defendem o apoio ao Chinaglia dizem que é por defender um entendimento da bancada majoritária e ter a vice-presidência. E aqueles que não defendem acham que é importante ter uma alternativa, uma postura mais independente. É natural e tudo vai se acomodar lá na frente, no segundo turno.

Valor: Essa posição do PSDB não atrapalha uma atuação conjunta da oposição? Comenta-se largamente que, no Senado, o PSDB não está apoiando o José Agripino (PFL-RN).

Kassab: PSDB e PFL não são o mesmo partido. Se fossem o mesmo partido estariam todos juntos, fariam uma fusão. São partidos diferentes. O PSDB não caminhou com o José Carlos Aleluia (PFL-BA) quando ele foi candidato a presidente da Câmara em fevereiro de 2005, mas estava caminhando aqui em São Paulo, com a candidatura do Serra, para a prefeitura. É natural estar junto em alguns momentos e em algumas decisões, é tranqüilo que não haja convergência.

Valor: O PFL e o PSDB devem passar por uma renovação de suas direções este ano. Estão em transição. Isso não poderia levar o PFL a ter uma atuação mais solitária?

Kassab: Não acho que o PSDB esteja em transição. O PSDB é um partido muito consolidado, um partido que, por oito anos, teve a Presidência da República, um partido que hoje tem o governo de São Paulo, o governo de Minas Gerais, dois líderes importantes do partido - os dois maiores líderes hoje, junto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que governam os maiores Estados, então não é um partido em transição. Todo partido está em permanente processo de transformação. Isso é outra coisa. Partido que não se transforma é partido que está condenado a morrer. É natural e também acontece com o PFL. O PT não mudou? O PT está aí definindo as parcerias público-privadas? Não é um partido em transição. É um partido em transformação.

Valor: Mas não há preocupação com a situação de divisão dentro do PSDB, que deve refletir na escolha da nova direção do partido?

Kassab: Acho normal a mudança na direção. Estranhas e abruptas são as mudança na presidência do PT, que se dão por outro motivo. No PSDB está se falando em uma troca no fim do mandato de um presidente, no início dos mandatos estaduais, de nova legislatura federal, é o critério de no início de uma legislatura ter um presidente novo, para acompanhar toda a legislatura. É algo que o PFL também faz.

Valor: O PFL deve escolher o novo presidente em maio e o senhor é cotado para assumir a função. O senhor está disposto a pleitear o cargo?

Kassab: Eu discordo das avaliações que colocam a renovação no PFL como fato consumado. Eu me alinho com aqueles - quase todo o partido - que não querem a saída do senador Jorge Bornhausen (SC). Tenho feito bastante ponderações a ele, considero o Bornhausen um grande executivo partidário. Para o partido seria muito positivo que ele confirmasse sua permanência. Na última conversa que tivemos, uma conversa pública, em Brasília, no fim do ano, estava o prefeito Cesar Maia com as mais importantes lideranças do país, do PFL. Nós fizemos um pedido para que o senador reconsiderasse sua posição e ele, naquela oportunidade, prometeu reconsiderar. Ficamos de conversar depois do Carnaval.

Valor: Caso o senador Bornhausen não tenha a disposição de continuar no cargo, o senhor acha que é possível conciliar a prefeitura com a presidência do partido?

Kassab: Com a secretaria nacional já tenho muitos encargos partidários... Mas como acredito que seja bom para o partido o Bornhausen na presidência, isso nem passa pela minha cabeça... A minha conduta, numa eventual mudança no partido, é a conduta que o senador Bornhausen apoiar. Tenho nele o meu líder partidário e não está na pauta essa questão. Eu acredito que ele possa continuar.

Valor: Mesmo o grupo do senador Antonio Carlos Magalhães (BA), que tanto antagonizou Bornhausen internamente?

Kassab: Ah, não tenho dúvida de que eles querem que ele fique. Não tenho dúvida. Isso posso lhe afirmar. A Bahia é um reduto partidário importante. Eles querem que o Bornhausen fique, ainda mais neste cenário, onde perderam as eleições na Bahia e têm um partido nacional consolidado, com diretrizes, com um bom comando. Mas não tenho procuração para falar por ninguém, muito menos pelo senador Antonio Carlos Magalhães.

Valor: Que avaliação o senhor faz do saldo eleitoral ao PFL? A imagem que se tem é negativa para o partido.

Kassab: O PFL hoje é um partido que mostrou ter programa, diretrizes. Há quatro anos, perdeu as eleições e poucos partidos perderam as eleições e ficaram na oposição. O PFL perdeu e ficou. O PSDB perdeu e ficou. O PPS também. Diversos outros partidos perderam e foram para o governo, como o PTB, por exemplo. Então, acho muito difícil as pessoas não identificarem o partido como um partido que tem programa, credibilidade, quadros compromissados com esse programa e que sabe que ao perder as eleições, o partido ficou na oposição para fiscalizar.

Valor: Mas o PFL perdeu de novo nessas eleições...

Kassab: É, perdeu de novo e durante quatro anos vai fiscalizar o governo federal, vai apontar os erros, mostrar alternativas e se preparar para disputar novamente e ser governo.

Valor: Em relação ao governo Lula, o que o senhor achou dos primeiros movimentos do segundo mandato?

Kassab: São movimentos tímidos em relação a uma necessidade maior que é a retomada do desenvolvimento. Só com a retomada de um crescimento e um desenvolvimento mais expressivo que nós vamos poder superar os grandes desafios. A necessidade de criar 10 milhões de empregos é o principal deles. Na medida em que não se enfrenta a questão dos juros, que tem sido deixada de lado desde o primeiro dia do primeiro mandato, e não deixe claro, não torne pública uma política de redução da carga tributária. Essa redução iria trazer a informalidade para a formalidade. Hoje a economia informal é monstruosa. Com esse aquecimento da economia é que poderemos encontrar a saída para esses graves problemas. Não vejo nessas iniciativas do governo nada que possa surgir como resposta a essas demandas.

Valor: A prefeitura não pode tomar empréstimos externos, porque esgotou sua capacidade de endividamento. Isto torna as parcerias estrategicamente mais importantes. Os convênios com o governo federal podem aumentar? E com o estadual, agora que Serra é o governador, a perspectiva é de uma expansão?

Kassab: O governo federal tem sido muito correto. Tem obedecido o cronograma, temos feito trabalhos em conjunto, inclusive vistoria de obras. Temos uma relação muito correta com a Caixa Econômica Federal. A prefeitura, o governo do Estado e o federal estão trabalhando juntos em diversos aspectos.

Valor: O senhor tomou uma série iniciativas para reforçar o caixa da prefeitura, como a gestão feita no ano passado para rever os valores do IPTU e cortes de subsídio, por exemplo. Houve aumento da carga tributária municipal em seu governo?

Kassab: É uma má-fé, uma deslealdade, uma mentira deslavada, um ato de covardia, essas críticas em relação a um aumento de impostos. Este é o único governo no país que baixou os impostos. Acabamos com a taxa de lixo, uma taxa desonesta, a taxa de luz para quem não tem iluminação pública, demos incentivo para abater o IPTU a quem pede nota fiscal eletrônica e com eficiência, com gestão e transparência aumentamos nossa arrecadação em R$ 2 bilhões. Isso mostra transparência, austeridade. Renegociamos contratos, como o do leite, com o que economizamos mais de R$ 500 milhões. Estamos sim, acima da capacidade de endividamento. Mas melhoramos muito nossa situação, o nosso índice era 2,29 (dívida/receita líquida) e hoje estamos um pouco abaixo de 1,8. São números excepcionais, mas ainda acima do limite de endividamento que é 1,2. A situação melhorou muito, mas ainda está aquém.