Título: Experiência fiscal do Reino Unido inspira política para o PPI
Autor: Abbott, Maria Luiza
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2007, Brasil, p. A3

Assim como o governo no Brasil hoje, há dez anos o governo britânico, e especialmente o Partido Trabalhista, precisavam ganhar credibilidade fiscal. Ainda antes de chegar ao cargo, o ministro do Tesouro britânico, Gordon Brown, concluiu que a melhor forma de conseguir isso seria criar duas regras fiscais, que foram incluídas ainda no manifesto eleitoral do partido e adotadas já no primeiro ano de governo: a "regra de ouro" ("golden rule"), e a "regra do investimento sustentável". A primeira estabelece que, dentro do ciclo econômico, o governo só pode fazer dívida para investimentos e a segunda, que a dívida pública não pode superar 40% do PIB. A estratégia deu certo.

Tão certo que foi copiada em outros países, como a Itália, e depois de todos esses anos, o ministro construiu uma sólida reputação por prudência fiscal, que não parece sofrer abalos com críticas ou previsões de que ele não vai cumprir o que prometeu.

A regra de ouro e a regra do investimento sustentável estão no centro da agenda da reunião de hoje do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com Brown, em Londres. Mantega está em busca de experiências para cotejar com sua política fiscal, especificamente para o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que concentra obras de infra-estrutura, incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Assim como no governo britânico, a idéia da Fazenda é abrir espaço para financiar programas de infra-estrutura, sem impacto fiscal. A Fazenda pretende abrir um canal de diálogo e troca de informações com o governo britânico, que lhe poderá ser muito útil nessa fase de implantação e acompanhamento do PPI.

De acordo com a "regra de ouro", que permite que o governo britânico faça dívidas só para investimentos, as receitas correntes do governo precisam ser suficientes para cobrir todas as demais despesas - os gastos correntes. Dessa forma, o orçamento de gastos e receitas correntes tem que estar equilibrado ou ser superavitário dentro do ciclo econômico. A segunda regra prevê que, a cada fim de ano, a dívida pública precisa ficar dentro do limite de 40% do PIB.

As regras tinham dois objetivos principais dentro da política de governo dos trabalhistas, segundo o Institute for Fiscal Studies, respeitado "think tank" britânico. Um deles era convencer os eleitores e o mercado que o governo iria compartilhar de forma justa o peso de pagar as contas públicas entre os contribuintes do presente e os do futuro, acabando com a tendência de cortar investimentos se tivesse que apertar o cinto. E o outro, que o governo iria manter a política fiscal dentro de um caminho sustentável, evitando a necessidade de mudanças significativas para correção de erros. Com essas duas regras, Brown acreditava que ficaria claro para as pessoas quais as despesas do governo que estão sendo pagas por impostos recolhidos agora e o que será pago por impostos futuros, incluindo os custos do endividamento.

"Com as regras, o governo criou um benchmark que permite avaliar a política fiscal", explica Jonathan Said, economista sênior do Centre for Economics and Business Research (CEBR), consultoria independente britânica.

Além das regras, o governo baixou o Código para Estabilidade Fiscal, que prevê também mais transparência nos gastos públicos e nos seus objetivos. Por essa legislação, o governo deve divulgar de forma clara como pretende conduzir sua política fiscal e também publicar, duas vezes por ano, as previsões que mostrem como a política adotada é consistente com as suas propostas. O código garantiu a maior transparência, que foi fundamental para a credibilidade na área fiscal, segundo avaliação predominante entre analistas.

Para cumprir a "regra de ouro", o governo usa a definição internacional de contabilidade para decidir o que é investimento. O gasto com a construção de uma escola, por exemplo, é investimento. Também justifica o endividamento, dentro do critério de compartilhar o peso do pagamento das contas públicas, pois será usado por gerações futuras, que também pagarão a conta. O salário dos professores é gasto corrente e, de acordo com esses critérios, tem que ser pago com o que o governo arrecada dos contribuintes do presente. Nos dois casos, a definição contábil coincide com a interpretação geral.

Mas a definição provoca controvérsias na hora de acertar quem paga os gastos com treinamento de professores. Apesar de beneficiar gerações futuras, o treinamento é classificado como despesa corrente e não investimento pela definição internacional. Por isso, é pago com receitas correntes. Para Carl Emmerson, vice-diretor do Institute for Fiscal Studies, a adoção das regras internacionais foi a melhor opção. "É a forma de evitar que as pessoas achem que os políticos estão tentando enganar, e quanto mais transparentes as definições, melhor."

Essa opção, porém, não evitou que Brown venha sendo acusado nos últimos anos de mudar a forma de avaliação de suas regras. Uma das discussões é que Brown tem mudado o período de cálculo do ciclo econômico para cumprir a regra de ouro, embora os economistas admitam que não há forma de provar com total segurança que o ministro está errado.