Título: PAC prioriza projetos de usinas hidrelétricas
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2007, Brasil, p. A3

Colocado em segundo plano na última década, o planejamento do setor elétrico ganhou forte impulso com a divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na semana passada. No anúncio das medidas, recebeu pouca atenção a promessa do governo de renovar a carteira de projetos de usinas hidrelétricas em análise para futura oferta à iniciativa privada. O potencial de energia hidráulica ainda inexplorada no país já vinha sendo mapeado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que começou a funcionar em 2005, mas o PAC colocou metas explícitas para a renovação dessa carteira.

No pacote de infra-estrutura lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo assumiu o compromisso de concluir estudos de viabilidade econômica e estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) de nove aproveitamentos hidrelétricos até o fim de 2010. Esses aproveitamentos totalizam 25.768 megawatts (MW) de energia, o equivalente a quase duas usinas de Itaipu. Com estudos concluídos, os projetos estarão prontos para entrar com pedido de licença ambiental e, em seguida, serem levados a leilão.

São empreendimentos cuja operação não poderá começar ainda no governo Lula, mas o caminho estará aberto para que sejam licitados na próxima administração. Estão na lista a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), e das usinas do rio Teles Pires (MT/PA). Além disso, o PAC estabeleceu a meta de inventariar outras dez bacias hidrográficas, com potencial de gerar mais 32.950 MW de energia, até 2010.

O estudo de inventário, primeira etapa na identificação de aproveitamentos hidrelétricos, investiga como deve ser o uso das quedas d'água para a geração de energia e define a melhor partição do rio ou da bacia hidrográfica para fins energéticos. Na fase seguinte, o estudo de viabilidade analisa os aspectos técnicos e econômicos de cada usina em potencial. Geralmente, o EIA-Rima é realizado ao mesmo tempo.

Conforme explica o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, o período consumido entre a elaboração dos inventários e a licitação do empreendimento é de cerca de quatro anos. A decisão de priorizar a renovação da carteira de projetos, segundo ele, deixará o próximo presidente em situação mais confortável para leiloar usinas e atender à demanda futura de energia. É uma diferença brutal em relação ao início do governo Lula, em 2003, quando havia apenas 17 hidrelétricas e menos de 4.000 MW em projetos prontos para licitar à iniciativa privada. "Recebemos o setor elétrico numa situação muito difícil", diz Tolmasquim.

Houve um "desmonte" do planejamento estatal, na avaliação do presidente da EPE, devido à crença de que os próprios agentes privados conduziriam os estudos necessários. A suposição não se revelou correta, segundo Tolmasquim. "No setor elétrico, os projetos são de longa maturação. Existe um hiato muito grande entre um sinal de mercado, manifestado pelo preço, e o resultado desse sinal", observou. "É justamente por isso que precisamos de alguém planejando esse mercado", acrescentou o especialista, em referência à estatal, criada no novo marco regulatório do setor elétrico, idealizado por ele e pela ministra Dilma Rousseff.

Levantamentos da EPE apontam que o Brasil usou apenas um terço de sua capacidade hidrelétrica até agora, mas quase 70% do potencial ainda inexplorado encontra-se na região amazônica. Inevitavelmente, o país terá que encarar a discussão de entrar ou não na Amazônia para construir usinas. "Do ponto de vista econômico, é interessante. Do ambiental, terá que haver uma discussão", avalia Tolmasquim.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Mário Menel, o país não pode abrir mão do potencial da Amazônia na geração de energia. Com consumo per capita ainda baixo e uma indústria com alta participação de setores eletrointensivos, ele considera que usinas térmicas - seja a gás, carvão, nucleares ou de biomassa - não garantem conforto para atender a uma aceleração do crescimento econômico. "Não há um cenário possível em que se possa descartar a energia hidráulica", comentou Menel.