Título: Bolívia ainda busca o gás que prometeu à Argentina
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Internacional, p. A11

Apesar do tom otimista de membros do governo, a Bolívia está longe de conseguir viabilizar o contrato de exportação diária de 27,7 milhões de metros cúbicos de gás para a Argentina, com duração de 20 anos. Esse contrato, assinado no ano passado pelos presidentes Evo Morales e Néstor Kirchner, teve o preço do gás fixado em US$ 5 por milhão de BTU e tem sido usado pela Bolívia como patamar na negociação com a Petrobras para aumentar o preço para o Brasil.

A primeira tentativa do governo boliviano de elevar a produção de gás no país - que não produz o suficiente para atender os contratos existentes com o Brasil e o consumo interno - foi um fracasso, apesar do tom otimista na divulgação dos resultados, quando oito empresas apresentaram propostas. Na ocasião, a indústria já avisava que as propostas não traziam "nenhum compromisso irreversível".

Depois, ficou evidente que a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) não obteve ofertas de gás em volume suficiente para atender o contrato com a Argentina. Por isso, anunciou uma nova licitação em 180 dias para complementar o volume.

As petroleiras que exploram as maiores reservas de gás da Bolívia, entre elas a Petrobras, Repsol, BG e a Total, ficaram de fora da convocação para assinatura dos contratos, publicada no início desta semana. Essas empresas têm concessão para explorar os maiores campos de gás do país, como San Alberto e San Antonio (Petrobras, Repsol e Total), Margarita (Repsol e BG) e Itaú (Total e BG). Esses dois últimos ainda precisam de investimentos bilionários para produzir e não foram incluídos nas propostas.

A YPFB informou na segunda-feira que foram aprovadas as propostas de quatro empresas que se propuseram a aumentar a produção de gás em 19 campos no período de 2007 até 2026. São elas a Chaco (privatizada no governo anterior e que tem participação da britânica BP), a Vintage Petroleum (subsidiária da americana Occidental), a argentina Pluspetrol e a minúscula coreana Dong Won.

A soma das ofertas de gás feita por elas foi de 11,13 milhões de metros cúbicos por dia, e mesmo assim só para um único ano, 2011. No ano seguinte, a produção oferecida é menor, de 9,4 milhões de metros cúbicos/dia, caindo consideravelmente a partir daí.

A YPFB informou que há uma cláusula estabelecendo quantidade diária garantida de 7,7 milhões de metros cúbicos/dia nos primeiros dois anos do contrato. Nos primeiros anos, ela garante 60% do abastecimento e, a partir do terceiro ano, garante a entrega de 100% desse volume. Para os 20 milhões restantes, a empresa fará nova licitação após a entrada em vigor dos 44 contratos de operação assinados entre a YPFB e 12 petroleiras.

O Valor apurou que as empresas que ficaram de fora do processo apresentaram condicionantes em suas propostas que fizeram com que elas fosse desclassificação. Uma dessas exigências diz respeito à garantia da YPFB para transporte do gás até a Argentina e à venda do insumo em condições comerciais adequadas. Outro problema apontado pelas empresas é o fato de o governo argentino subsidiar o gás consumido internamente. Por isso as empresas vêm com desconfiança a venda de gás boliviano mais caro aos argentinos. E querem da YPFB, que tem o monopólio da comercialização de todo o gás produzido na Bolívia, garantias de pagamentos pelo fornecimento.

Hoje não existe gasoduto com capacidade de levar gás para a Argentina os volumes previstos. Ontem, numa reunião entre as duas estatais, a Energía Argentina Sociedad Anónim (Enarsa) informou à YPFB que começou o projeto de engenharia básica do Gasoduto do Noroeste Argentino (GNEA) que, a partir de 2010, transportará 27,7 milhões de metros cúbicos/dia de gás boliviano para a Argentina.

Até agora nenhuma empresa privada se mostrou interessada no projeto, que chegou a ser analisado por um consórcio que incluía a Petrobras e a Repsol. Mas isso foi antes da posse de Morales e das mudanças promovidas por ele.