Título: Bush já não pode ditar seus termos
Autor: Weisberg, Jacob
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Opinião, p. A13

Nos últimos seis anos, George W. Bush tratou o Congresso da maneira com que trata a ONU, a imprensa e a maioria dos próprios secretários de seu gabinete ministerial: como algo irritantemente inevitável. Apesar de ter concorrido à Presidência em 2000 apoiado no trunfo de sua capacidade de pactuar entendimentos com uma legislatura controlada por democratas quando era governador do Texas, na maior parte dos seis anos como presidente Bush tratou os representantes do povo com mal disfarçado desdém.

Depois de instalado na Casa Branca, Bush "o unificador" rapidamente transformou-se em Bush "o decididor". Na Constituição de Bush, em contraposição à Constituição dos EUA, o Executivo lidera, a legislatura aquiesce e o Judiciário defere.

Essa atitude autoritária caracterizou os principais discursos de Bush ao Congresso. Seus discursos anteriores sobre o estado da União constituíram, todos eles, tentativas - mais bem-sucedidas do que malsucedidas no primeiro mandato, mais malsucedidas do que bem-sucedidas no segundo - de impor sua vontade a Washington. A atitude de seu governo em relação a contestações do Congresso foi possivelmente melhor sintetizada pela sugestão de Dick Cheney, no plenário do Senado, de que Pat Leahy, de Vermont, executasse uma impossibilidade (sexual) anatômica.

Seria uma irresponsabilidade acreditar que os verdadeiros sentimentos de Bush tenham mudado. Até o dia em que deixar a Presidência, ele considerará os membros do Congresso como liliputianos intrometidos empenhados em amarrá-lo. Mas a realidade é que eles agora o ataram.

Diante de um assertivo e surpreendentemente eficaz Congresso de maioria democrata - e sem apoio da opinião pública - Bush precisa conter ao máximo sua tendência à arrogância e intimidação. Ele já não tem condições de ditar termos.

A relutante admissão dessa realidade por Bush é a chave do discurso da terça-feira passada. Isso explica as elaboradas mesuras oferecidas a Nancy Pelosi, a presidente do Congresso; o tom conciliatório ("nossos cidadãos não se importam muito sobre em que lado corredor nos sentamos - desde que estejamos dispostos a cruzar esse corredor [que divide as bancadas dos partidos]"); a ausência das familiares acusações e afirmações demagógicas de Bush; sua oferta de incluir membros do Congresso em um "conselho consultivo especial" sobre terrorismo; e até mesmo o lamentoso pedido de Bush para que lhe seja concedida uma chance a sua nova estratégia para o Iraque.

Isso também explica as curiosamente moderadas idéias políticas que ele apresentou. A mais interessante foi um novo plano para o sistema de saúde pública. Bush propôs que o seguro saúde proporcionado pelos empregadores seja tributado no que ultrapassar o teto de US$ 7,5 mil para indivíduos e US$ 15 mil para famílias. Com os recursos levantados mediante esse aumento de impostos - e não se engane, trata-se, inequivocamente, de um aumento de impostos - Bush tornaria a aquisição privada de seguros saúde igualmente dedutíveis até os mesmos limites.

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Embora esse plano fique muito aquém de uma cobertura universal, trata-se de um passo plausível e progressivo. Limitar o montante dedutível de seguro ajudaria a controlar os custos do sistema de saúde, porque um subsídio tributário ilimitado incentiva os americanos a pagarem por mais tratamentos do que realmente necessitam. A extensão desse benefício àqueles que não têm uma cobertura bancada por seus empregadores ajudará os não segurados a terem condições de arcar com o seguro, especialmente se a dedução tributária evoluir para um crédito tributário. Fosse outra a fonte dessa proposta, os democratas poderiam encampá-la, em vez de denunciá-la agressivamente.

O mesmo se aplica às sugestões de Bush para o setor de energia, que incluíram uma meta explícita para redução do consumo de gasolina (20% no curso de 10 anos), uma iniciativa de desenvolvimento de combustíveis alternativos e seu primeiro endosso à adoção de padrões de economia de combustível para automóveis.

Sobre imigração, também, Bush aproximou-se dos democratas e irritou os republicanos, com seu apoio a um vigoroso sistema de "trabalhadores visitantes" e sua defesa de uma via intermediária entre "anistia" e "animosidade" em relação a residentes ilegais.

Bush não tem dificuldades para assumir esse novo tom, porque já o fez anteriormente - não apenas durante a campanha em 2000, mas também nos primeiros meses de sua Presidência, quando fechou um acordo com Ted Kennedy e os democratas sobre uma reforma educacional. Bush também tem um modelo para sua nova postura num homem que ele despreza: o Bill Clinton da fase final, pós-impeachment de sua Presidência. Bush espera emular a maneira como Clinton evitou tornar-se um político debilitado - depois de muitos terem-no considerado fora de jogo por pensar pequeno -, tendo dado a volta por cima com soluções criativas e buscando seletivamente composições com seus oponentes no Congresso.

A posição embaraçosa em que se encontra Bush foi, analogamente, criada por ele próprio, mas a comparação termina aqui.

Falta ao presidente a paciência de Clinton, sua astúcia política e sua capacidade de seduzir temporariamente seus inimigos políticos. Mesmo que Bush possa sustentar seu novo tom na semana que vem, os democratas não estão inclinados a devolver na mesma moeda. Em sua resposta oficial, o senador James Webb, da Virgínia disse que se Bush não seguir a trilha democrata, estes poderão governar sem o presidente porque representam a vontade do povo. Cheney foi mais curto e grosso.

Entretanto, ainda que apenas devido à sua obstinação e poder de veto, Bush continua central quanto ao que o Congresso pode realizar no curso dos próximos dois anos. Os democratas, não menos que os republicanos, defrontam-se agora com o dilema de como lidar com o problema de um presidente arruinado. Devem eles trabalhar com Bush, empenhados em realizações legislativas pelas quais o presidente compartilhará o mérito? Ou devem manter-se empenhados na subjugação e aniquilação total de Bush?