Título: Rio perdeu com Rosinha, diz Cabral
Autor: Magalhães, Heloisa e Vilella, Janaina
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Especial, p. A14

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho diz que o Estado perdeu muito com a conturbada relação de Rosinha Matheus e do marido Anthony Garotinho com o governo federal e, em especial, com a Petrobras. Avisa que a estatal pode retomar o projeto de construção do oleoduto que ligaria o Rio a São Paulo. Por ele, não haverá qualquer entrave na concessão de licenças ambientais, como fez Rosinha, o que acabou impedindo a obra e levando a Petrobras buscar outras alternativas.

Em lua-de-mel com o governo federal, Cabral, ao contrário de governadores de Estados vizinhos, não faz críticas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado esta semana. "Acho que se fosse ouvida a demanda local de cada governador esse PAC ia virar 'poc', não ia dar em nada. Iria ser um PCN, Programa de Coisa Nenhuma", diz.

Cabral aplaude a parte que coube ao Rio no PAC, o investimento federal no arco rodoviário, que vai de Itaboraí à região do Porto de Sepetiba. Ele antecipa que o Estado vai receber recursos, a fundo perdido, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A proposta é desenvolver um plano indutor de investimentos no entorno da área, criando um cinturão industrial que seria uma alternativa à dependência do Estado com a receita do petróleo. O arco margeia dois mega-investimentos em pontos opostos da Baixada Fluminense: a futura instalação do complexo petroquímico da Petrobras, de US$ 8 bilhões, e a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), de 3 bilhões de euros.

Mesmo assim, Cabral vai engrossar o coro dos governadores. Ele defende que os Estados não sejam sacrificados na destinação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), quer promover a rediscussão da Lei Kandir, assim como vai perseguir o aumento dos repasses da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

Hoje, Cabral se reúne com o secretariado para dar os últimos acertos no decreto de ajuste fiscal. Será definido quanto cada área do governo poderá gastar este ano. E a expectativa é de que o corte de seja inferior aos R$ 2,7 bilhões defendidos por ele durante a campanha.

Nesta entrevista no Palácio das Laranjeiras, várias vezes interrompida por assessores, o governador também falou, embora rapidamente, de segurança pública. Disse que o terrorismo urbano que assusta os fluminenses vai ser "combatido com vigor". A seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: O senhor pretende discutir alterações no PAC divulgado pelo governo federal na reunião dos governadores, em março?

Sérgio Cabral: O PAC foi um projeto muito bem elaborado. Se olharmos a necessidade de investimentos em infra-estrutura no Brasil, a gente não acaba hoje porque a demanda é muito maior do que a capacidade do poder público, de atender esta demanda, mesmo via parcerias público-privadas (PPP). É um projeto de grande fôlego, estamos falando de quase R$ 600 bilhões, atendendo áreas fundamentais para a infra-estrutura do país, como a portuária, a aeroportuária, a rodoviária, além dos setores elétrico, de gás e de petróleo. No Rio de Janeiro, o grande projeto, que é o arco rodoviário, é importantíssimo para o desenvolvimento econômico do Grande Rio, onde teremos dois grandes investimentos. Um próximo ao Porto de Itaguaí, que é a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Do outro lado, o complexo petroquímico de Itaboraí. O arco atende a estes dois projetos e constrói a possibilidade de uma via indutora do crescimento do Grande Rio. Por isso hoje pela manhã (quarta-feira), recebi aqui no Palácio Laranjeiras uma delegação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), chefiada por Silvia Sagari, gerente do BID, em Washington, para infra-estrutura no setor privado. O BID vai financiar a fundo perdido com US$ 1,5 milhão um plano diretor de ocupação do entorno do arco.

Valor: Que tipo de ocupação?

Cabral: Ocupação econômica. Atração de novas indústrias. Porque o arco passa a ser uma via fundamental para a ligação com as rodovias BR-101, BR -040 e a Via Dutra. Será um indutor do crescimento numa região que concentra 80% dos moradores do Estado. Eu vejo o arco como uma obra estratégica. Por outro lado, o governo federal vai investir no Porto de Itaguaí, na Baia de Sepetiba, fazendo uma dragagem da ordem de US$ 70 milhões. Eu defendo ainda buscar o caminho da PPP para a BR-101.

Valor: O que o senhor acha que faltou no PAC?

Cabral: O que vejo é um projeto integrado. Não falo isso porque quero agradar o presidente ou porque sou da base do governo. O Nordeste está recebendo recursos jamais recebidos anteriormente. Desde o período da redemocratização não se vê um projeto com tanto impacto para Nordeste e Norte do país. Está de muito bom tamanho.

Valor: Os governadores estão se queixando que o presidente não os consultou sobre os investimentos prioritários de infra-estrutura em cada Estado? Isso aconteceu aqui?

Cabral: No caso do Rio, não precisou nem consultar. O arco rodoviário é uma demanda, o porto é outra. Eu acho que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e a equipe pensaram num projeto nacional. Acho que se fosse ouvir a demanda local de cada governador, esse PAC viraria um 'poc', não ia dar em nada. Iria ser um PCN, programa de coisa nenhuma. O presidente pensou e planejou as ações para os próximos quatro anos porque tem que ter foco. Eu, por exemplo, em 20 dias de governo já obtive R$ 110 milhões do governo federal: R$ 50 milhões para as enchentes e R$ 60 milhões para a Rocinha. Temos que ter uma visão mais ampla que interaja mais com o governo federal e não ficar no balcão das lamentações. O que eu defendo, e que não tem nada a ver com o PAC, é um novo pacto federativo, é o que os governadores estão buscando de maneira madura discutir. Tivemos uma reunião em Brasília no dia do lançamento do programa na casa do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PFL), e nesta segunda-feira haverá outra, de desdobramento, com representantes de cada região para discutir questões, como o Fundeb. É importante que os Estados não sejam sacrificados na regulamentação do Fundeb. Eu mesmo fui autor de uma emenda antecipando recursos da União, de R$ 500 milhões para R$ 2 bilhões, no Senado, que alcançou êxito. Mas tem uma questão na regulamentação. Eu acho que aí tem que ter um peso maior para o aluno do ensino médio. É o que estamos reivindicando. Essa é uma regulamentação que tem prazo até 28 de fevereiro. Vamos formalizar a proposta ao ministro da Educação, Fernando Hadad, na segunda-feira.

Valor: O senhor é a favor da proposta de Lula que prorroga a CPMF e a DRU por mais 10 anos?

Cabral: Tem que ser pactuado. Precisamos, por exemplo, rediscutir as compensações para os Estados exportadores, como o Rio de Janeiro, em relação a Lei Kandir. A Lei Kandir faz graça com o chapéu alheio. Outra questão da maior importância em relação aos Estados é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). No último ano só foram devolvidos 30% dos recursos da Cide aos Estado e isso pode subir. Um outro ponto que o presidente falou comigo da maior importância é a criação de um piso mínimo para a Polícia Militar. O governo federal entraria dando suporte a um piso mínimo. Seria para todos os Estados.

Valor: Esse é um ponto que deveria ser mais discutido na agenda do governo federal com os governadores?

Cabral: O que eu sinto falta nas discussões é de uma agenda que não é econômico-financeira, mas que tem que ser posta pelos governadores: a autonomia federativa dos Estados. É uma agenda que envolve o Executivo e Congresso Nacional, pode ser no campo da reforma política, dar uma maior autonomia legislativa para os Estados. Por exemplo, a legislação de trânsito do Acre não pode ser igual à do Rio de Janeiro. O modelo americano tem que inspirar o Brasil.

Valor: Em que outras áreas, além do trânsito, isso poderia ocorrer?

Cabral: Na área do processo penal, na área do Código Penal porque as realidades são diferentes. Essa realidade que os americanos trabalham muito bem, o valor local deveria ser mais trabalhado na legislação brasileira e o Congresso brasileiro deveria deixar de viver o tempo inteiro engarrafado. É um problema atrás do outro. É abrir mão de poder. As pessoas não gostam de abrir mão de poder, mas eu acho que este pacto em relação aos Estados deveria ser tratado com prioridade.

Valor: Outros governadores concordam com o senhor?

Cabral: Eu acho que outros governadores também têm esta posição. O governador de Minas, Aécio Neves, fala muito nisso e não é uma coisa focada para o Executivo. É Executivo e Legislativo. O governador de São Paulo, José Serra, sempre pensou na questão federativa. Eu acho que temos que estimular mais este debate. Ainda é muito precário no Brasil, infelizmente. Estamos sempre apagando incêndio no Brasil. Eu vejo aqui no Estado. Eu tenho que planejar o Estado e a conjuntura não pode dominar a agenda. Sexta-feira (hoje) o secretário de Fazenda, Joaquim Levy, dará uma entrevista à tarde para anunciar o decreto de ajuste fiscal. De manhã, reúne-se com os secretários de Estado para apresentar o decreto.

Valor: Na sua avaliação, o que o governo deve fazer para reduzir a dependência da economia do Estado pelo petróleo?

Cabral: Esse cinturão industrial do Rio é algo novo no Estado. Estamos falando de bilhões de dólares de investimentos.

Valor: Que tipo de indústria viria para este cinturão?

Cabral: Indústrias do setor petroquímico. Temos o Pólo Gás Químico de Duque de Caxias, o Complexo Petroquímico de Itaboraí. Isso aí é uma alavanca na cadeia produtiva de milhares de empregos. No setor siderúrgico, o Rio se transforma com a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) no maior pólo siderúrgico do Brasil. Terá a CSA, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Gerdau, a Cosigua vai dobrar a produção e o grupo Votorantim acabou de escolher Resende para um investimento de R$ 1 bilhão.

Valor: Onde está o gargalo?

Cabral: Na cidade. Há que se ter uma flexibilização maior na política tributária e um esforço conjunto. Estamos de braços dados com o prefeito (da cidade do Rio de Janeiro) Cesar Maia num esforço conjunto de otimizar as locações na cidade, no turismo, setor de serviços, setor audiovisual. São vocações da cidade. Temos que investir nisso.

Valor: O setor de telecomunicações reclama das alíquotas de ICMS no Estado pois é uma das maiores do país. O senhor pretende mexer nisso? O fundo de pobreza encarece ainda mais a alíquota para o setor.

Cabral: Nós tínhamos que aprovar o fundo de pobreza porque não tinha jeito, senão o Estado quebrava. Mas o Levy ontem (terça-feira) mesmo me dizia isso: "Temos que pensar no setor de combustíveis e de telecomunicações numa redução gradual de ICMS". Eu reconheço que a alíquota é alta, mas primeiro temos que arrumar a casa, não podemos abrir mão de receita agora.

Valor: O senhor pretende retomar o projeto de construção de um oleoduto tão criticado pela governadora Rosinha?

-------------------------------------------------------------------------------- Acho que se fosse ouvir a demanda local de cada governador, esse PAC viraria um 'poc'" --------------------------------------------------------------------------------

Cabral: Eu causei um 'frisson' na Petrobras na semana passada. Declarei ao presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, que o Rio está de portas abertas para o oleoduto. Eles vibraram. Mas claro que depois daquela proibição eles tiveram que montar uma estratégia de logística nova para o escoamento da produção por via marítima.

Valor: Foi por navio, não?

Cabral: Sim, um recurso mais caro e mais complicado. Eu deixei as portas abertas para retomar o projeto do oleoduto que é um projeto muito importante para a Petrobras e para o Rio.

Valor: O senhor acha que o Rio perdeu com as brigas de Rosinha Matheus com o governo federal?

Cabral: Muito. Eu acho que o Rio perdeu esses anos todos com a má relação com o governo federal, com o PT da capital. Eu acho que a gente tem que deixar de lado qualquer agenda partidária, calendário eleitoral e tratar do que interessa. Quando os três entes federativos, Estado, União e município, trabalham na mesma direção, ainda assim existem muitos problemas a serem enfrentados.

Valor: Estamos vendo o recrudescimento das ações do terrorismo como diz o presidente Lula.

Cabral: Primeiro, nós despolitizamos a polícia. E acho que vamos conseguir êxito com a integração entre os governos federal, estadual e municipal.

Valor: Esse terrorismo urbano não o preocupa?

Cabral: A polícia tem condições de enfrentar o terrorismo urbano e deve enfrentá-lo com vigor.

Valor: Qual era a real situação financeira do Estado quando o senhor assumiu? O senhor se surpreendeu?

Cabral: Claro que fiquei surpreso. Não esperava encontrar uma situação tão ruim. O que havia em caixa era pouco mais de R$ 88 milhões, com uma folha de pagamento para vencer nos próximos dias. O restante eram receitas futuras que haviam sido antecipadas mas que ainda não estavam disponíveis. O secretário Joaquim Levy fez um enorme esforço para conseguir honrar a folha e felizmente conseguiu, mas não foi fácil.

Valor: A mídia tem apontado para uma ruptura entre o senhor e o casal Garotinho. Isso de fato ocorreu? A nomeação de Benedita (da Silva, para a Secretaria de Ação Social) teria sido uma maneira de marcar a sua independência?

Cabral: Eu nunca precisei nomear ninguém para marcar minha independência. Desde o início da campanha disse que tinha independência. Fui candidato com o apoio do casal Garotinho mas sempre fui independente em relação a eles. Não existe nenhuma ruptura. O que pode haver é um descontentamento dele com algumas medidas do meu governo. Mas isso é natural. É do processo democrático.

Valor: Mas o senhor não acha que a governadora, de certa forma, o boicotou ao não entregar as informações solicitadas pelo senhor?

Cabral: Acho a palavra boicote forte. Não sinto que houve boicote, mas realmente faltaram algumas informações que teriam sido muito importantes na transição. Mas olhando hoje para o Estado, vejo que tinha tanta coisa desorganizada que acho que eles tiveram realmente dificuldade em nos mandar todas essas informações. Isso eu posso dizer com clareza: o Estado estava muito desorganizado e por isso esse primeiro ano será para arrumar a casa.

Valor: O senhor tem falado com o Garotinho?

Cabral: Não tenho falado. Me parece que ele estava de férias. Mas não brigamos e sempre que quiser falar comigo as portas do Palácio Guanabara estarão abertas.

Valor: O ex-governador tem uma ascendência forte sobre a bancada do Rio. O senhor, como aliado do presidente Lula, pretende estimular os parlamentares a votarem a favor do governo?

Cabral: Eu pretendo estimular os deputados a votarem a favor do Rio. Acho que nesse momento todos nós temos responsabilidade com o Rio e temos tido uma receptividade muito grande do presidente Lula. Sempre que for interesse do Rio vou me empenhar para que a bancada esteja unida.

Valor: O PMDB vai ocupar cargos do governo federal a seu pedido?

Cabral: Não fiz nenhum pedido de cargos ao presidente. O que eu quero é ajuda do governo para as questões importantes, como segurança, saúde, saneamento e, por enquanto, posso dizer que estamos sendo bem atendidos.

Valor: O senhor foi eleito com o apoio de um amplo leque de alianças. O senhor não acha que a estrutura é frágil para sustentar quatro anos de governo?

Cabral: Pelo contrário. Acho que a capacidade de diálogo de um governo é o que lhe garante governabilidade. Vivemos numa democracia.

Valor: O senhor será candidato à reeleição em 2010?

Cabral: Não penso nisso nesse momento.

Valor: Em 2010 o senhor terá que optar entre Lula, Serra e Aécio... Qual dos três o senhor apoiaria?

Cabral: Lula não poderá concorrer mais. Ainda é cedo para falarmos em 2010. Não quero pensar nisso agora porque tenho um desafio enorme até lá.

Valor: A Presidência da República seria um caminho se o seu governo tiver êxito?

Cabral: Não penso nisso. O Rio não pode mais ter um governador que senta na cadeira do Guanabara de olho no Planalto.

Valor: Qual a sua avaliação sobre o primeiro mandato do presidente Lula?

Cabral: A melhor avaliação do primeiro mandato do Lula foi a população que o reelegeu. Para uma parcela significativa da sociedade o governo Lula foi muito bom. Muita gente passou a comer, a consumir, e isso não é desprezível. Temos que ressaltar também a estabilidade da economia, inflação controlada, moeda valorizada, risco país em baixa, dívida externa quitada, enfim, isso não é pouca coisa. Faltou alguma coisa? Claro que faltou, o próprio Lula admite isso. Acho que o segundo mandato será muito melhor.