Título: Remessa supera pagamento de juros
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Finanças, p. C1

Estatísticas do Banco Central mostram que, pela primeira vez desde 1973, as remessas de lucros e dividendos superaram os pagamentos de juros da dívida, tornando-se o item mais pesado na conta de serviços e rendas do balanço de pagamentos. Em 2006, as remessas de lucros e dividendos ao exterior cresceram 28,9%, chegando a US$ 16,354 bilhões. Neste ano, o BC espera US$ 15,2 bilhões. No sentido inverso, o pagamento líquido de juros encolheu 16,5%, chegando a US$ 11,267 bilhões em 2006. É esperada nova queda neste ano, para US$ 9,8 bilhões.

Um dado que ilustra a expansão das remessas de lucros e dividendos: em 2006, elas representaram 87% dos investimentos estrangeiros diretos, que somaram US$ 18,872 bilhões. Não se via percentual tão alto desde 1991, quando chegaram a 93%.

Os números acima refletem uma mudança estrutural no passivo externo, com queda da dívida e expansão dos investimentos diretos. Também são conseqüência da valorização do câmbio e do acúmulo de reservas pelo BC. Os pagamentos de juros da dívida externa se tornaram preponderantes no balanço de pagamentos na década de 1970, quando o Brasil recorreu a endividamento para fazer frente aos efeitos da crise do petróleo.

Durante anos, os lucros e dividendos representaram menos de um quinto dos pagamentos de juros. Expandiram-se após o Plano Real, quando o país voltou a atrair investimentos diretos. Em 2005, ganharam novo impulso, com o aumento dos lucros das empresas e a valorização do câmbio, que faz com que os lucros auferidos em reais fiquem maiores quando convertidos em dólar.

No governo Lula, o estoque de investimentos diretos mais que dobrou, passando de US$ 100,847 bilhões em 2002 para US$ 217 bilhões em junho de 2006, o dado mais recente. Esse crescimento reflete, em parte, os novas entradas, que somaram US$ 62,138 bilhões em quatro anos. Mas há ainda o efeito da valorização do câmbio, que amplia o estoque de investimentos, contabilizados em dólar.

Daqui por diante, as despesas com lucros e dividendos tendem a ser cada vez mais atenuadas pelas receitas de lucros e dividendos - em expansão devido aos volumes de investimento direto de brasileiros no exterior. Em 2006, os investimentos somaram US$ 27,251 bilhões, e os ingressos de lucros e dividendos, US$ 949 milhões.

"Não prevemos alta no ingresso de lucros e dividendos em 2007 porque leva tempo para os investimentos maturarem", disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. "Mas a tendência é de expansão." Os pagamentos de juros mantiveram-se altos mesmo durante a crise da dívida dos anos 1980. Só começaram a perder força a partir de 2002, com a redução do endividamento - primeiro do setor privado e, mas recentemente, do setor público. A dívida externa começou a cair a partir da adoção do câmbio flutuante, em 1999, mas a queda se acelerou depois da desvalorização em 2002. Desde aquele ano, encolheu R$ 41,844 bilhões, para US$ 168,867 bilhões em dezembro de 2006.

O pagamento antecipado de dívida pública feito pelo Tesouro, como o que aconteceu em 2005 e 2006, tem dos tipos de efeitos sobre o gasto com juros. De um lado, antecipa despesas que seriam feitas ao longo dos próximos anos. De outro, libera garantias de pagamentos de juros, que são contabilizadas como receitas. O acúmulo de reservas internacionais também contribui para reduzir os gastos com juros. Nas suas estatísticas, o BC divulga o pagamento líquido de juros - isto é, as despesas com juros da dívida externa menos as receitas, oriundas sobretudo da aplicação das reservas no exterior. As reservas, que em 2002 estavam em US$ 37,823 bilhões, fecharam 2006 em US$ 85,839 bilhões. Do ponto de vista da solvência externa, é melhor pagar lucros e dividendos do que juros da dívida.