Título: Como a indústria alimentícia de Parma digeriu a crise da Parmalat
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Empresas, p. B4

É mais um estilo de vida do que um emprego. Por volta das 5 horas, toda manhã, Bruno Monica começa a encher vasilhames na fábrica de laticínios Consorzio Produttori Latte, em Baganzolino, nas planícies férteis do vale do rio Pó, a poucos quilômetros de Parma. Há quase 40 anos, Monica é um "casaro", ou mestre queijeiro, supervisionando a elaboração do queijo parmigiano-reggiano. A empresa, com cinco pessoas, produz quase 10 mil rodas de parmesão por ano, o que representa cerca de 360 toneladas das 120 mil produzidas por 500 fábricas, em uma área estritamente delimitada no sul do Pó, basicamente nas províncias de Parma e Reggio Emilia.

O soro do leite que sobra é aproveitado logo em frente, para alimentar 3 mil porcos, cuja carne é curada nas montanhas ao sul da cidade. Cerca de 170 empresas locais produzem o presunto de Parma, levemente doce e de cor de rubi. Cerca de 10 milhões de presuntos, cada um com aproximadamente 8 quilos, deixam as bodegas de cura a cada ano. Tanto o queijo parmesão como o presunto de Parma estão impregnados por séculos de tradição e sua produção é regulamentada estritamente por agências de certificação. Os produtores, portanto, em sua maior parte, passaram incólumes pela crise da Parmalat, o gigante grupo de bebidas e laticínios localizado nas aforas da cidade, que quebrou em dezembro de 2003, com um buraco de 13,2 bilhões de euros em suas contas.

Outras empresas locais, no entanto, sentiram problemas. A Barilla, maior fabricante mundial de massas, com sede no norte da cidade, foi uma delas. "Foi aterrador", recorda-se Guido Barilla, presidente do conselho da empresa familiar de massas e pães, cujos ancestrais começaram a produção em Parma, no século XVIII. "Muitos pensavam que nós éramos como a Parmalat."

A amarga experiência de ter de explicar que seu grupo não havia "cozinhado" seus livros contábeis durou por vários meses, afirma. "A crise da Parmalat provocou um choque enorme e prejudicou a imagem da cidade", conta Elvio Ubaldi, prefeito de Parma. "Os bancos olhavam com suspeitas para as empresas locais e o crédito foi um problema por algum tempo."

Em 12 de janeiro, o executivo-chefe da Parmalat, Enrico Bondi, chegou a acordo com a Deloitte & Touche pelo qual a auditora pagará US$ 149 milhões para a empresa. Em troca, a Parmalat abandonará o processo que move contra a Deloitte.

Bondi acusou cerca de 50 empresas de ajudar a administração anterior da Parmalat a esconder dívidas e manipular resultados. Até agora, a Parmalat recebeu 650 milhões de euros. O Banca Nazionale del Lavoro, maior banco italiano, acertou em 29 de dezembro pagar 112 milhões de euros para acabar com uma ação da Parmalat. Pedidos de indenização ainda sem acordo contra outras empresas chegam a 27 bilhões de euros na Itália e a US$ 10 bilhões nos Estados Unidos. O acordo com a Deloitte pode pressionar os outros a fazerem o mesmo, especialmente Bank of America e Citigroup.

-------------------------------------------------------------------------------- A Parmalat voltou a ser rentável e hoje foca suas atividades em produtos "funcionais", de maior margem de lucro --------------------------------------------------------------------------------

Os advogados têm estado bastante ocupados, mas a Parmalat também. Recuperou-se, em parte, graças à decisão de Bondi de manter as complexas confusões financeiras e judiciais do grupo separadas da parte operacional. Quando a crise desencadeou-se, muitos pensavam que a Parmalat estava acabada. "No entanto, não perdemos um só dia de produção", afirma Carlo Prevedini, diretor de operações da Parmalat. "Se isso tivesse ocorrido teria sido fatal."

Biscoitos, lanches, água engarrafada e molho de tomate foram cortados da linha de produtos; as unidades estrangeiras, vendidas; o número de marcas caiu de 130 para 40; a força de trabalho foi encolhida; e a Parmalat voltou a ser rentável, com vendas anuais em torno a 4 bilhões de euros. Agora, foca suas atividades em produtos "funcionais", de maior margem de lucro, incluindo leites, iogurtes e sucos de frutas. Nesta semana, as primeiras garrafas de Zymil, um tipo de leite para pessoas com problemas digestivos, começaram a sair de uma nova linha de produção de 8 milhões de euros.

É o mais novo exemplo de como a indústria alimentícia de Parma avançou com o tempo. Ricas terras férteis, disputadas por séculos, são a base de uma indústria que emprega cerca de 15 mil pessoas em atividades que vão desde conservas de frutas até o cultivo de vegetais (Parma é um importante centro de processamento de tomate), refinaria de açúcar, produção de sorvetes e comidas congeladas.

À medida que o setor alimentício cresceu com mais força após a Segunda Guerra Mundial, Parma desenvolveu uma indústria de engenharia especializada em equipamentos para processamento de alimentos, que emprega cerca de 8 mil pessoas. As máquinas que preenchem, embalam e rotulam as garrafas do novo leite Zymil foram fabricadas por empresas locais. A chegada em 2005, da Autoridade Européia de Segurança Alimentar, com sede em Parma, reforçou a posição da região no setor.

Mas, mesmo com o escândalo da Parmalat tendo ficado para trás, Parma ainda tem problemas. Seus mercados são maduros, portanto precisa de mais ênfase em marketing e desenvolvimento de produtos. As marcas registradas do queijo Parmigiano-Reggiano e do presunto de Parma precisam ser constantemente defendidas. E também estão as volúveis manias alimentares. "A dieta Atkins (que veta massas) foi um pesadelo", observa Barilla. "Para o consumidor e também para nós." (Tradução de Sabino Ahumada)