Título: Disputa na Câmara implode 'núcleo de poder'
Autor: Costa, Raymundo e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, Política, p. A7

A exemplo do que ocorreu em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu o controle sobre o processo eleitoral na Câmara e está gastando com muita rapidez o capital político que acumulou na reeleição, avaliam políticos próximos do presidente e setores do PT. A conseqüência imediata é a implosão do que deveria ser o "núcleo dirigente" da coalizão governista, integrado por PT, PSB e PCdoB. A curto e médio prazos, ganhe Aldo Rebelo ou Arlindo Chinaglia, nenhum dos dois se sentirá em débito com o presidente da República.

De acordo com essas avaliações, Lula repete os erros de 2005 e já perdeu. Dos dois lados. Se ganha Arlindo Chinaglia, o PT vai tentar se impor novamente como partido hegemônico do governo, tendo como ponto de partida o argumento de que precisa viabilizar um nome para a sucessão do presidente, em 2010. E terá na Câmara um presidente ressentido com o apoio que Lula manifestou à reeleição de Aldo. Vitorioso, Aldo deve se tornar mais independente, porque terá vencido com os votos do PSDB e do PFL. Aldo está inseguro em relação a Lula. E a sondagem que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) fez sobre sua eventual nomeação para o ministério só piorou a situação.

A candidatura Chinaglia uniu o PT, desde os integrantes do chamado "Departamento Marcos Valério" ao ministro Tarso Genro, líder do movimento antipaulista do partido, passando pelo ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), adversário do gaúcho, até a ex-prefeita Marta Suplicy, que não é exatamente a fã nº 1 do candidato. A idéia síntese, segundo um interlocutor do presidente, é : "Lula, você pode muito mas não pode tudo". Exemplo: não pode passar por cima do PT, como tem ameaçado. Isso juntou todos. Compôs inclusive o assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia, inicialmente arredio ao projeto.

Temas como a "refundação" e a "despaulistização" do PT saíram de pauta. Simples, segundo as fontes ouvidas pelo Valor, porque desde o início ficou estabelecido que o PT tem o direito de tentar viabilizar um candidato - ou candidata - à sucessão de Lula. Mas que, ao final do processo, o presidente vai cotejar esse candidato ou candidata com as candidaturas da base. Como alternativa da base, na realidade, Lula vê apenas um nome: Ciro Gomes (PSB), eleito deputado federal com a maior votação do Ceará.

Começou então uma correria no PT: Tarso Genro, que é candidato a candidato como já fora em 1998. Dilma Roussef virou garota propaganda do Programa de Aceleração Econômica (PAC). Ela tenta se viabilizar no "baixo perfil político partidário no alto perfil da gestão". Se o governo der certo, quem fez dar certo foi foi uma mulher que não tem os vícios dos políticos e será reconhecida como grande gestora.

Por ter vencido num Estado importante e derrotado o carlismo na Bahia, Jaques Wagner virou uma liderança importante, mas sua candidatura não está na ordem do dia no PT. Está a de Marta Suplicy, que faz um gigantesco esforço pela candidatura de Chinaglia, porque o candidato petista viabiliza os paulistas. Marta é no PT, atualmente, a política com mais alternativas. Pode ser ministra da Educação ou de Cidades, candidata a prefeita, com grandes chances de ser eleita, a governadora e até mesmo presidente da República.

Logo após a reeleição, Lula mandou um recado para Marta: ela seria o que quisesse em seu governo. O presidente reconhecia que seu esforço no segundo turno fora fundamental para tirar votos de Geraldo Alckmin em São Paulo. Isso no pior momento do PT paulista, ferido de morte com o episódio da compra de um suposto dossiê contra tucanos. Mas estabelecia uma condição: ela teria de ficar os quatro anos, porque o presidente não queria ministros que governassem por um ano e passasse o ano seguinte preparando a campanha. Sabendo disso, Marta ficou quieta. Vai esperar um convite do presidente. "Quando chegar a hora eu falo". O grupo de Marta costuma lembrar que Jaques Wagner também foi para a coordenação política sob a condição de ficar no cargo até o fim do governo.

Para se impor novamente como partido hegemônico, segundo essa avaliação, a eventual presidência de Arlindo Chinaglia seria modelada no "estilo Renan Calheiros (o presidente do Senado) de "morde e assopra", uma característica, aliás, dos presidentes pemedebistas no Senado, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma derrota aqui, uma vitória ali, impõe a pauta, o diretor da Petrobras que não sai. Ou seja, Lula estaria numa camisa-de-força.

A chamada "nucleação" PT, PSB e PCdoB é a primeira vítima da disputa no interior da base de apoio. O governo de coalizão era projetado no Palácio do Planalto em dois círculos. Um menor, chamado de "núcleo dirigente", formado pelas três siglas, todas de esquerda e tradicionais aliadas de Lula em suas candidaturas. O segundo círculo era mais longo, mais solto, e incluiria os demais partidos como PP, PTB, PL, além do PMDB que seguir com o governo. Qualquer que seja o resultado da eleição, a avaliação é que acabou esse grupo "dirigente". Aliás, o ex-ministro Ciro Gomes, em entrevista, considerou prescrito o acordo PT-PMDB desde que surgiu a candidatura de Gustavo Fruet (PSDB-PR) pela chamada "Terceira Via".

Efeito colateral, o PT parou de discutir a reformulação do partido. Na coordenação da candidatura de Arlindo Chinaglia estão todos aqueles atingidos pelo escândalo do "mensalão". E a campanha de Aldo denunciou a recorrência de práticas pouco ortodoxas, como a liberação de emendas ao Orçamento de bancada (cujo autor não é identificado), mas como destinatários certos. Algumas dessas emendas foram liberadas no apagar das luzes de 2006 e beneficiaram, por exemplo, o Piauí e a Paraíba do líder do PMDB, Wilson Santiago, que de início apoiava a reeleição de Aldo e agora está com o PT.

Entre os equívocos atribuídos a Lula está o sucessivo adiamento do novo ministério, na realidade, uma mera reposição de peças. Seriam quatro ou cinco pessoas. Com apenas 20 dias, preside um governo envelhecido no qual as disputas palacianas voltaram a se acentuar. Na formulação do PAC, por exemplo, Guido Mantega (Fazenda), Henrique Meirelles (Banco Central) e Dilma Rousseff, em algum momento, foram aliados e adversários.