Título: Kirchner propõe reforma da previdência
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, Internacional, p. A8

Há nove meses das eleições presidenciais, o governo argentino anunciou ontem a primeira grande reforma da previdência do país desde 1994, quando o ex-presidente Carlos Menen privatizou o sistema. O chefe de gabinete do presidente Néstor Kirchner, Alberto Fernández, disse que o governo está enviando ao Congresso um projeto de lei de reforma do sistema cujo eixo é dar aos trabalhadores a possibilidade de escolha entre o sistema privado e o estatal, o que foi praticamente eliminado com a privatização.

Segundo o diretor executivo da Administração Nacional de Seguridade Social (Anses), Sergio Massa, só 30% das cerca de 50 mil pessoas que ingressam no mercado de trabalho anualmente escolhem voluntariamente o sistema a que querem contribuir. Ainda assim, depois que entram em um dos regimes, não podem mais sair nem trocar pelo outro. Na maioria dos casos, os empregadores é que decidem onde vão inscrever seus empregados e, quando escolhem o sistema privado, são eles também são que elegem o administrador.

Além de permitir a opção aos que estão entrando no mercado, o projeto prevê que os atuais contribuintes terão 180 dias após a sanção da lei para mudar de regime, e depois, a cada cinco anos, o trabalhador que não estiver satisfeito poderá mudar novamente para o outro lado, seja público, seja privado. Está mantido no projeto a idade mínima de aposentadoria na Argentina, que é 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres. A troca de sistema poderá ser feita até dez anos antes da aposentadoria, ou seja, 55 e 50 anos, respectivamente.

A medida afeta 11,336 milhões de argentinos afiliados aos fundos de pensão privados do país (AFJP, na sigla em espanhol), dos quais 5,425 milhões fazem contribuições regularmente, diz a Anses.

Outro ponto-chave da reforma proposta pelo governo Kirchner atinge diretamente os fundos de pensão privados, ao estabelecer um teto de 1% para as taxas de administração cobradas dos contribuintes. O projeto também coloca o seguro de invalidez e morte a cargo única e exclusivamente das AFJP, através da criação de um fundo específico para cobrir estes riscos, retirando o encargo da conta do trabalhador. A intenção, segundo Massa, é eliminar o seguro da disputa comercial entre as administradoras, ao mesmo tempo reduzir o custo para os beneficiários.

Fernández disse, em entrevista na Casa Rosada para anunciar as novas medidas, que a reforma era uma prioridade do governo desde a campanha eleitoral e que seu objetivo é corrigir o sistema. "Era um dos objetivos que nos propusemos em 2003 com a plataforma eleitoral", afirmou o chefe de gabinete de Kirchner.

Em nota oficial distribuída ontem à noite pela UAFJP, a entidade de classe das administradoras de fundos de pensão afirmou que "respeita o princípio de liberdade de escolha" e a intenção do governo de melhorar o sistema. Mas frisa que, se o projeto visa reduzir os custos para os participantes, "deverá revisar a estrutura completa de custos, inclusive os regulatórios e impositivos" cobrados pelo próprio governo.

Pelo sistema atual de aposentadoria, criado em 1994, a contribuição é obrigatória. As AFJP se dividem entre totalmente públicas ou mistas de controle público e privado. Os benefícios são pagos por meio de seguros de renda vitalícia.

A regulamentação determina que os trabalhadores deveriam aportar 11% de seus salários brutos para uma AFJP sob a forma de desconto em folha de pagamentos. As empresas devem somar ao débito de cada trabalhador um total de 16%, também calculados sobre o salário bruto. A contribuição da empresa vai para o governo, a do trabalhador, para a entidade escolhida. Há um teto de contribuição de 4.800 pesos por mês, o prazo mínimo de aportes é 30 anos e os benefícios podem chegar a um máximo de 50% do salário.

O atuário Hector Gueler, que trabalha para a FM&A Consultora, uma afiliada ao grupo americano Mercer Consulting, explica que, do jeito que foi desenhado, o sistema deveria funcionar muito bem e garantir aposentadoria para todos. Mas apresenta diversos problemas. O primeiro é que não está acessível à maioria da população - só 40% dos cidadãos que compõem a população economicamente ativa do país estão hoje contribuindo e resguardados pelo sistema. Os demais 60% estão ou desempregados, na economia informal ou as empresas em que trabalham simplesmente não aderiram, portanto não recolhem as contribuições.

Outro problema, segundo Gueler, é o "descrédito do sistema", que sofreu um duro golpe - assim como todos na Argentina - com a crise de 2002. Naquele ano, mais de 70% dos ativos dos participantes estavam aplicados pelas AFJP em bônus do Tesouro argentino denominados em dólares. Em 2002, o governo anunciou o "default" de suas dívidas em dólar e, em 2005, a renegociação impôs pesadas perdas aos credores e atingiu em cheio os participantes de fundos de pensão, assim como os depositantes em bancos. Para aliviar os efeitos da crise e da consequente queda brutal de renda da população, o governo permitiu que os aportes dos trabalhadores fossem reduzidos de 11% para 7%.