Título: Radicalização pode levar o Líbano à guerra civil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, Opinião, p. A14

A invasão do Líbano por Israel, com o beneplácito do governo americano, precipitou o país em uma nova espiral de violência e desagregação que só com uma boa dose de sorte - algo escasso no Oriente Médio - escapará da guerra civil. A ofensiva israelense, em meados de 2006, tinha todos os ingredientes para o fracasso que de fato foi, e serviu para glorificar a resistência xiita do Hezbollah e dar munição aos aliados da Síria no fragmentado cenário político libanês. A cobrança de maior fatia no poder pelos radicais, uma fatura óbvia do fiasco da ocupação, começou logo em seguida e ganhou novo capítulo ontem, após a realização de uma greve geral para derrubar o governo de Fuad Siniora, apoiado por facções sunitas, cristãos e drusos.

Em uma lógica infernal, as ações tomadas pelos radicais dos dois lados não têm no Oriente Médio a capacidade de fortalecer os moderados e a busca de conciliação, mas apenas o de forçar nova e maior radicalização. Do lado israelense, voltou-se, após a destrutiva invasão do Líbano, a um período pré-Ariel Sharon. O premiê Ehud Olmert atingiu o auge da impopularidade, e só um em cada cinco israelenses ainda o apóiam. Pesquisas indicam que o Kadima - legenda criada por Sharon para se desvencilhar do Likud -, o grande vitorioso nas últimas eleições, sairia das urnas com apenas um terço dos mais de 30 deputados que possui hoje no parlamento. Nascido para construir a base política do apoio à retirada dos territórios ocupados e à construção do diálogo com moderados palestinos, o Kadima já esposou o fracasso. O pêndulo do poder volta a se inclinar a favor da coalizão de direita e ultra-direita que habita o Likud.

A verdadeira tragédia ocorreu do outro lado da fronteira. O renascimento econômico libanês foi abortado por ataques que dizimaram sua renovada infra-estrutura. Fez também estilhaços do precário equilíbrio político em que mal se acomodam os partidos desde o fim da sangrenta guerra civil. A desproporcional agressão israelense deu todos os pretextos necessários para que a Síria, que tinha se retirado sob pressão do país, voltasse a ter um papel determinante na política local. O Hezbollah, que conta com seu apoio, exigiu do governo libanês, com o apoio do presidente pró-sírio Emile Lahoud, que se aumentasse para cinco o número de ministros ligados ao grupo xiita e seus aliados cristãos de Michel Aun, número suficiente para barrar qualquer decisão contrária a seus interesses. O governo de Siniora, escudado na legalidade, enfrenta uma tentativa de golpe de Estado nas ruas. Após um período de manifestações e cerco à sede do governo, no fim do ano passado, o Hezbollah convocou uma paralisação geral das atividades do país, que transcorreu em meio a choque de forças rivais, algumas mortes e centenas de feridos.

A desfaçatez com que as forças radicais procuram derrubar o governo libanês acompanha o fracasso das políticas equivocadas do governo americano para a região, cujos resultados evidentes estão na desagregação do Iraque e nas provocações abertas do governo do Irã, que financia o Hezbollah. Para tentar escapar do atoleiro, o governo Bush enviou mais tropas a Bagdá, na esperança de criar bolsões de paz no país a partir dos quais possa dizer que o governo iraquiano é cada vez mais dono da situação - e cair fora o mais rapidamente possível. Essa demonstração de força de Bush, na verdade um sinal de fraqueza, foi complementada com ameaças diretas à Síria e Irã e o reforço da presença naval no Golfo Pérsico, quando diplomatas conservadores experientes recomendavam a busca de um diálogo, sem o qual o Iraque não se estabilizará.

A necessidade de um diálogo coloca-se novamente agora para abrir uma saída pacífica para o Líbano. Como garantia da ordem e anteparo à escalada do Hezbollah resta apenas o Exército libanês, ele próprio composto de membros de etnias e grupos religiosos que começaram a se confrontar a céu aberto nas ruas das cidades libanesas. É preciso deter a radicalização, que se espalha pelo Iraque, passa pelos confrontos armados entre grupos palestinos rivais e adquiriu uma dinâmica explosiva no Líbano. Se a história serve de lição, o pior deve acontecer. Os principais atores, - Arábia Saudita, Síria, Irã e EUA - não estão dando, nem deram no passado recente, qualquer sinal de que modificarão suas posições, por mais sangue e destruição que isto signifique.