Título: Bradesco paga R$ 800 mi pelo BMC
Autor: Carvalho, Maria Christina e Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, Finanças, p. C8

Pressionado pelo aumento da competição e redução da margem do seu principal negócio, o crédito consignado, o Banco BMC resolveu se aliar a um concorrente de grande porte ao invés de enfrentá-lo: o banco anunciou, ontem, a venda de suas operações para o Bradesco.

Os acionistas do BMC, banco fundado no Ceará pela família Pinheiro, em 1939, serão pagos em ações do Bradesco correspondentes a aproximadamente 0,94% do seu capital social, que será aumentado em R$ 800 milhões. Isso significa que o preço pago é equivalente a 2,9 vezes o valor patrimonial do BMC, de R$ 277,638 milhões. A aquisição envolve o BMC e suas controladas BMC Asset Management Ltda. - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, BMC Previdência Privada S.A. e Credicerto Promotora de Vendas Ltda.

A emissão de ações a serem entregues como pagamento à família Pinheiro serão aprovadas em assembléia extraordinária do Bradesco a ser realizada após o fechamento da operação, que ainda depende da aprovação das autoridades - quando o BMC será convertido em subsidiária integral do Bradesco.

A aquisição dobra a carteira própria de crédito consignado do Bradesco e leva o banco ao terceiro lugar no ranking de operações com beneficiários do INSS, depois da Caixa Econômica Federal e do BMG, e à frente do Banco do Brasil, de acordo com o levantamento de dezembro da Dataprev. O BMC sozinho estava em quarto lugar, apesar de ser o 36 º do mercado, no ranking do Banco Central, com R$ 2,344 bilhões em ativos totais.

"Queimamos etapas [com a aquisição]", disse o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, em teleconferência para a imprensa convocada para explicar a operação, anunciada na manhã de ontem. O consignado é "um nicho de mercado diferenciado, uma operação difícil de montar e de fazê-la alçar vôo", disse Cypriano, elogiando a tecnologia do BMC.

Essa tecnologia envolve uma rede de 7 mil agentes e 750 correspondentes bancários, que continuará sendo coordenada pela atual vice-presidente do BMC, Andrea Pinheiro, 40 anos, filha do presidente do banco, Jaime, 66 anos. O nome BMC será mantido pelo Bradesco e o ágio pago na operação poderá ser amortizado neste exercício, adiantou o vice-presidente do Bradesco, Milton Vargas.

O know-how do BMC no crédito consignado é evidente nos seus resultados: com 50 convênios de consignado, entre INSS e entidades públicas, produziu R$ 2 bilhões em créditos, metade dos quais cedeu a outros bancos. Já o Bradesco, com 800 convênios, tem uma carteira própria de consignado ligeiramente maior, de R$ 1,342 bilhão, informou Vargas; e adquiriu R$ 2 bilhões de outras instituições, dos quais R$ 800 milhões do BMC.

"A capacidade de produção do BMC é maior do que a carteira registrada no balanço", disse Andrea, que também participou da teleconferência, revelando indiretamente um motivo da venda do banco. Entre abril e dezembro do ano passado, o BMC aumentou em 68,7%, ou R$ 427 milhões, a produção de consignado.

O BMC usou alguns dos novos mecanismos de captação, como fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e títulos externos; e chegou até a pensar em abrir o capital para reforçar o patrimônio. A instituição havia contratado o banco Goldman Sachs para realizar uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), mas o Bradesco atropelou o processo e, entre o Natal e o Ano Novo, começou a negociar com exclusividade a aquisição do controle do banco de Francisco Jaime Nogueira Pinheiro filho.

"A negociação foi muito rápida. O contrato foi costurado em menos de uma semana", diz Daniel Wainstein, diretor-gerente da Goldman Sachs no Brasil, que coordenou a venda do BMC ao Bradesco. No ano passado, Wainstein liderou a equipe que vendeu o Banco American Express ao Bradesco.

O processo do IPO do BMC já estava em andamento e seriam feitas duas ofertas. Uma, primária (emissão de novas ações), no valor aproximado de R$ 500 milhões. Outra, secundária (venda de parte dos papéis dos controladores).

Segundo o Valor apurou com concorrentes e analistas, dois fatores pesaram na decisão de o banco trocar a abertura de capital pela alienação de controle. O primeiro fator é econômico. Com a oferta de ações, os controladores receberiam na frente uma parte do preço do banco e apostariam na valorização do ativo no longo prazo. A venda, ainda que por troca de ações, permitirá que a família Pinheiro receba de cara 80% dos R$ 800 milhões oferecidos pelo Bradesco. Os outros 20% estarão condicionados à permanência da executiva Andréa Pinheiro (filha do controlador) à frente do negócio por no mínimo dois anos e à performance da carteira de crédito consignado.

As metas previstas em contrato não foram divulgadas, mas prevêem um crescimento real em relação ao volume de financiamentos concedidos no ano passado, já que a instituição passa a ter um custo de captação mais baixo, que lhe garante um "spread" maior (ver análise abaixo) e maior facilidade de transferência dos recursos de clientes não-bancarizados.

O outro motivo que levou o controlador a optar pela venda é pessoal. Pinheiro tem 66 anos e três herdeiros. O filho mais velho, Marcelo, cuida dos negócios têxteis da família (a Cotece, instalada no Ceará). Andréa era a executiva forte do banco. E Daniel, o mais novo, trabalha na área de crédito do BMC. "Embora a Andréa seja muito competente, e, na prática, quem toca o banco, era difícil que algum filho alcançasse o padrão de exigência do seu Jaime", diz uma pessoa próxima à família. Segundo ela, o controlador costuma chegar entre 6h e 6h30 no banco e não raro é visto saindo da instituição às dez da noite. "Além disso, os filhos tinham interesses diferentes e a venda dá solução a essa questão", explica. As ações do Bradesco recebidas em pagamento têm grande liquidez.

Agora, com o funding mais barato do Bradesco, Cypriano acredita que os negócios do consignado vão crescer muito mais. "Para o banco, é uma grande aquisição", afirmou. Para ilustrar o potencial do negócio, lembrou que só 5 milhões de um total de 25 milhões de beneficiários do INSS tomaram crédito consignado até agora, geralmente fazendo duas operações.

O BMC também faz financiamento e leasing de veículos (18% da carteira) e empréstimos comerciais a empresas médias (24%), originados pela rede de 14 agências.

Os acionistas do BMC tiveram assessoria financeira da Goldman Sachs e jurídica do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga. Já o Bradesco foi assessorado pelo BBI-Bradesco Banco de Investimento e pelo escritório Xavier, Bernardes, Braganca.

O BMC é mais antigo do que o Bradesco, fundado em 1943. Em 1976, a terceira geração da família Pinheiro assumiu a direção do banco e o posicionou como instituição de atacado. Em 1996 o Banco BMC passou por uma mudança do quadro acionário, na qual o Jaime Pinheiro, que já era acionista majoritário do banco, adquiriu a participação pertencente a seus irmãos, Noberto e Nelson Pinheiro. Os dois criaram então o Banco Pine que, a partir de 2005, passou a ser controlado apenas por Noberto.