Título: Etanol já oferece retorno menor nos EUA
Autor: Rocha, Alda do Amaral e Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, Agronegócios, p. B8

A intenção do presidente George W. Bush de ampliar o uso de combustíveis renováveis nos Estados Unidos - externada no discurso sobre o Estado da União, na terça-feira - pode esbarrar em limitadores como a alta do milho no mercado internacional, a queda dos preços do etanol (puxado pelo petróleo) e a disputa por matéria-prima com a indústria de alimentos, principalmente de carnes. E pode, também, ampliar as exportações brasileiras de etanol.

No discurso, que fez as cotações do milho recuarem ontem em Chicago, Bush propôs uma nova - e difícil - meta para o uso de combustíveis renováveis de 35 bilhões de galões em 2017. A legislação atual prevê 7,5 bilhões até 2012.

Analistas divergem se o quadro de preços altos para o milho e baixos para o etanol pode frear os investimentos no combustível - que nos Estados Unidos é produzido a partir do milho - , mas a queda da rentabilidade dos produtores de álcool americanos já é uma realidade, o que pode, pelo menos, desacelerar o ritmo de investimentos.

Cálculo da consultoria Céleres com base em estudo do Serviço de Pesquisa do Congresso americano mostra que no primeiro semestre de 2006, quando o valor médio do galão de etanol nos EUA estava em US$ 3,00 e o milho em US$ 2,33 por bushel, o produtor tinha uma margem de US$ 1,83 por galão. Hoje, com o galão a US$ 2,25 e o milho na casa dos US$ 4,00, a rentabilidade caiu para US$ 0,46.

Para chegar a esses números, o analista Leonardo Sologuren, da Céleres, considerou os custos do milho e do processamento do grão menos o crédito de subprodutos. Com produtividade de 2,7 galões por bushel de milho, o custo do grão ficou em US$ 0,868 no primeiro semestre de 2006. Somado ao custo de processamento (US$ 0,57) menos os créditos, o custo final ficava em US$ 1,17. Hoje, também considerando a mesma produtividade, o custo do grão fica em US$ 1,48. Com custo de processamento de US$ 0,57 e crédito de US$ 0,26, o custo final sai por US$ 1,79.

Segundo Sologuren, a queda do petróleo - que pressionou o etanol - e o aumento dos preços do milho reduziu a margem do produtor. Nesse cenário, avalia, os "aventureiros" e capitais de risco ficariam desestimulados a apostar no etanol.

Mesmo confirmando a queda na margem de lucro das destilarias dos EUA, o usineiro americano Dan Slane afirmou, em entrevista ao Valor, que a atividade está lucrativa e deverá continuar atraente nos próximos meses. Slane acredita que os preços do milho devem recuar por conta da expectativa da superoferta na próxima safra americana. De acordo com ele, nos últimos seis meses a margem líquida de lucro girou em torno de US$ 1 por galão e agora está em torno de US$ 0,50.

Slane é sócio de uma destilaria que entrará em operação ainda este ano e tem capacidade para 100 milhões de galões de álcool por ano em South Point, em Ohio.

Jack Scoville, analista da Price Futures Group, de Chicago, lembra que a produção de etanol é "altamente subsidiada" nos Estados Unidos e "continuará a ser". Segundo ele, o que se afirma no mercado americano é que mesmo que o milho chegue a US$ 5,00 por bushel, a atividade será viável.

Cálculos de uma consultoria sucroalcooleira nacional também mostra que a margem de lucro das destilarias americanas caiu drasticamente. A margem de lucro média no primeiro semestre de 2006 ficou em US$ 1,73 por galão, considerando o milho a US$ 2,33 o bushel e o galão do álcool a US$ 3. Em janeiro deste ano, a margem de lucro está em US$ 0,14, considerando o bushel de milho a US$ 4,09 e o galão a US$ 1,89. Em uma simulação feita pela consultoria considerando os preços do milho a US$ 5 o bushel, a margem na produção de etanol seria negativa.

Segundo Júlio Maria Martins Borges, da Job Economia e Planejamento, os custos de produção do etanol americano subiram cerca de 30%. No primeiro semestre de 2006, esses custos giravam em torno de US$ 1 por galão e subiram para cerca de US$ 1,30 neste mês. "Hoje os custos de produção do álcool americano giram em torno de US$ 0,34 por litro. No Brasil, estão em torno de US$ 0,29", diz Borges.

Relatório do Credit Suisse sobre o discurso de Bush diz que "os preços do etanol precisarão, teoricamente, ser altos suficientes para compensar qualquer novos aumentos que possam ocorrer nos custos líquidos do milho". O relatório aponta ainda o risco que vive a indústria de carne dos Estados Unidos, em função da crescente demanda por milho para etanol. "Se considerarmos uma produção de 15 bilhões de galões de etanol de milho e, uma taxa de conversão de 2,7 galões por bushel, isso iria absorver quase metade da atual produção de milho de quase 11 bilhões de bushels. Os dias da indústria de carne dos EUA, nesse quadro, parecem estar contados".

O próprio Bush admitiu ontem que o maior uso de etanol será limitado pelo volume de milho produzido no país, que também precisa atender a indústria de aves e suínos, informou a Reuters.

Para atender a maior demanda por milho para etanol, a expectativa de consultorias americanas é de um aumento de 9% na área de plantio do grão nos EUA em 2007/08, que chegaria a 34,8 milhões de hectares. Com essa área e considerando uma produtividade média de 9.150 quilos por hectare nos últimos cinco anos, a produção subiria para 288 milhões de toneladas, segundo a Céleres.

No ano passado, os EUA esmagaram 56 milhões de toneladas para produzir etanol. Para este ano, já há consultorias prevendo um processamento de 80 milhões de toneladas. Tudo para suprir a demanda de 110 usinas existentes hoje em operação nos EUA e as 73 em construção, que devem entrar em operação nos próximos anos.

Para Luiz Carlos Corrêa Carvalho, diretor da consultoria Canaplan, o ritmo de investimentos em novas destilarias nos EUA não deve cair drasticamente por conta dos subsídios. As destilarias recebem subsídios federais de US$ 0,054 pela mistura de 10% de álcool no galão da gasolina. Há também subsídios estaduais, que variam por região produtora. "É importante lembrar que está havendo uma mudança na matriz energética mundial", diz.

O discurso de Bush também indica que o Brasil pode ampliar as vendas de etanol para os EUA, segundo Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar). Os EUA foram o maior importador do álcool brasileiro em 2006. O Brasil exportou cerca de 3 bilhões de litros, dos quais cerca de 50% foram para os EUA.

Por aqui, os investimentos em novas usinas de álcool devem atingir cerca de US$ 12 bilhões até 2010, dos quais cerca de US$ 5 bilhões já foram aplicados.