Título: Idéias para um Brasil que se preze
Autor: Tiago, Ediane
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2007, EU & Investimentos, p. D6

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apresentado pelo governo Lula nesta semana, sugere reflexões sobre o sentido dos acréscimos de PIB, associado à qualidade da gestão do crescimento. Importa saber, como essencial, o que poderá restar, no processo, de sedimentos para o futuro, ou seja, para o desenvolvimento. Em setembro de 2006, o Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae) promoveu um fórum para discutir idéias relacionadas a essas questões. O resultado do encontro é a coletânea de artigos "Projeto de Brasil - Opções de País e Opções de Desenvolvimento", coordenada por João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque.

Já na introdução, Velloso, que é coordenador-geral do Fórum Nacional do Inae, presidente do Ibmec - Mercado de Capitais e professor da EPGE da Fundação Getúlio Vargas, dá o tom da discussão: "O Brasil está em crise de auto-estima". Para ele, que foi ministro do Planejamento nos governos Geisel e Médici, o governo precisa realizar escolhas pensando no longo prazo e no impacto que elas trarão para a economia e a sociedade. Velloso falou ao Valor sobre o "Projeto de Brasil" e sobre o PAC, que, na sua opinião, representa apenas o começo de uma estratégia para o desenvolvimento. "Ainda há muito por fazer para colocar o país no prumo do crescimento e da inserção da sociedade brasileira na economia do conhecimento".

Valor: O PAC seria apenas uma resposta à questão dos gargalos na infra-estrutura, ou é mais?

João Paulo dos Reis Velloso: Certamente é uma resposta. O governo estava atento a esta questão desde o primeiro mandato. Mas só agora conseguiu montar um programa de investimentos para a área. Esse é um dos méritos do PAC, uma vez que ele sinaliza uma visão estratégica para o desenvolvimento. A falta desta visão resulta em conseqüências desastrosas para a sociedade. Exemplos disso são os apagões que sofremos, primeiro o elétrico e depois o aéreo. O Brasil precisa de uma estratégia de desenvolvimento. O cuidado que tem de ser tomado é que o PAC é um começo. Não pode ser considerado como um plano de governo. Se isso acontecer, voltaremos à estaca zero.

Valor: Há quem veja inconvenientes no peso que o investimento público deverá ter no PAC. Chega-se a falar em retrocesso, porque o investimento privado viria junto com supostos excessos de gastos governamentais.

Velloso: Não vejo como retrocesso, porque o governo está assumindo que deve investir em áreas nas quais a iniciativa privada não vai investir. A área de energia, por exemplo, é estratégica e o governo deve apostar nela. Mesmo que a iniciativa privada tenha interesse neste segmento, o setor sempre precisará de dinheiro público. Além disso, o Brasil é vanguarda em energia renovável e cabe ao Estado garantir isso. A minha maior preocupação com o PAC é a sua execução. O plano só dará certo se for muito bem gerenciado e o governo não contingenciar seus recursos. A falta de gestão adequada é que põe em risco qualquer plano de desenvolvimento. A estratégia tem de ser acompanhada de excelente gestão.

Valor: Mas qual será a receita para não elevar os gastos públicos?

Velloso: É preciso deixar claro: quando dizemos que o Congresso está discutindo o orçamento, temos de observar que a discussão está em como utilizar menos de 10% dele, uma vez que 90% já estão comprometidos. Por isso não há dinheiro para investir. O que é necessário para o país é o controle dos gastos públicos, a reflexão sobre a estrutura do governo, a partir da opção de um modelo de Estado moderno, eficiente e favorável ao desenvolvimento. A partir do controle das contas é que será possível reduzir esta absurda taxa tributária, que consome 38% do PIB, para juntar ao poder do governo a força do investimento privado. Está na hora de fazer as reformas política e tributária, aprofundar a questão da previdência e ajustar as contas do governo, para dar fôlego à economia.

Valor: - Quais são os avanços do PAC nesse sentido?

Velloso: O fato de se criar uma regra para aumentar o salário mínimo é um bom indicador. Não vou discutir aqui se o índice está certo ou errado. De qualquer forma, libera o governo de uma camisa de força, que é a revisão anual. A sociedade precisa compreender que é necessário ter um Estado responsável com os gastos para que, no futuro, a conta cobrada não seja cara demais. Costumo repetir a frase de Steven Davis, professor da Universidade de Chicago, que diz que "subdesenvolvimento não é destino; a pobreza é fruto de escolhas erradas". A Constituição de 1988 trouxe inegáveis avanços na área dos direitos humanos e civis. Neste caso, as opções são indiscutíveis. Mas na área previdenciária e assistencial, as opções custaram muito ao país. A cessão de benefícios sem base no orçamento real da Previdência criou um rombo que causa um enorme bloqueio fiscal e atrapalha o desenvolvimento do país.

Valor: O que o governo deve fazer para que o Brasil tenha de fato um projeto de desenvolvimento?

Velloso: Está na hora de se refletir sobre opções que precisam ser tomadas. O que o Brasil quer ser e como quer se desenvolver? Para isso, é necessário avaliar o que está acontecendo no mundo. Precisamos nos inserir na economia do conhecimento, tendo uma estratégia de desenvolvimento voltada para a inovação. Não dá para fazer isso sem investimento maciço em educação. E quando falo em educação, trata-se de melhorar a qualidade do ensino fundamental e de universalizar o ensino médio. Os pobres são excluídos da universidade no momento em que ingressam em uma escola sem qualidade de ensino. Por isso, precisamos de um sistema de cotas nas universidades. Para garantir as mesmas oportunidades, a solução está em programas que garantam qualidade no que é básico. Outro ponto importante é garantir a inclusão social dos pobres, dando a eles oportunidades de emprego e participação no desenvolvimento.

"Projeto de Brasil - João Paulo R. Velloso, Roberto C. Albuquerque. José Olympio, 224 págs. R$ 38,00