Título: Outras caras na bolsa
Autor: Vieira, Catherine e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2007, EU & Investimentos, p. D1

A dona de casa Fernanda van Boekel tem 74 anos e mora numa bela casa da Joatinga, perto da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Rodrigo Penalva é engenheiro, tem 26 anos, está no início de carreira e mora com os pais, também no Rio. Tom Kruse é americano, tem 56 anos de idade e vive há sete no Brasil, desde que se casou com uma carioca. É difícil acreditar que um interesse comum e apaixonante possa unir essas pessoas tão diferentes. Eles não apenas investem como "respiram" diariamente o mercado de ações. São apenas algumas faces dos 64.451 investidores que em 2006 se cadastraram para investir em ações e elevaram para quase 220 mil o total de brasileiros interessados em aplicar nesse mercado - um crescimento de 41,5% ante 2005. Em 2004 e 2005, anos em que a bolsa também esteve em forte alta, o número de novatos ficava na faixa dos 30 mil a 40 mil.

Os diferentes perfis de investidores podem ser um sinal positivo de que o mercado de ações está atraindo públicos distintos do tradicional mundo masculino, normalmente conhecedor do mercado de capitais brasileiro, com um patrimônio formado e uma carreira bem-sucedida.

E mesmo entre as caras novas há surpresas. Investir em ações, e ainda por cima pela internet, por exemplo, parece algo sob medida para os jovens, que entendem de tecnologia e têm mais apetite por risco, certo? Errado, como mostra a carioca Fernanda van Boekel. Quando era mais jovem, Fernanda até investiu por pouco tempo em ações, mas logo se desiludiu com a crise da bolsa, no início da década de 70. Há três anos, vendo o movimento de valorização das ações, se encheu de coragem e resolveu voltar a investir. "Minha filha é muito conservadora e disse que eu era maluca de ir para a bolsa", diz.

Assim como muitos investidores, ela começou investimento em empresas conhecidas, como Petrobras, Vale do Rio Doce, Bradesco e Gerdau. Mas aos poucos passou a ousar, comprando ações em ofertas públicas iniciais, como Cosan e TAM e algumas vezes vendendo logo na estréia do papel e embolsando os ganhos, como um profissional de mercado faria. Hoje, Fernanda não passa um dia sem operar. "Acordo, leio o jornal e ligo para a Ágora (corretora da qual é cliente) para saber qual é a 'boa do dia'", diz Fernanda, que comprou um lap top e aprendeu a mexer em computador especialmente para operar no home broker - sistema de negociação online.

Fernanda representa um outro fenômeno que é o crescimento do público feminino na bolsa. Em 2002, as mulheres representavam 17,63% das pessoas físicas que investiam na Bovespa. No ano passado, esse percentual já era de 21,82%, um número ainda tímido, mas que vem crescendo de forma consistente. De 2002, quando havia 15.030 mulheres cadastradas, para 2006, que já conta com 47.917 investidoras, o crescimento foi de 219%.

Os jovens também marcam essa nova cara que a Bovespa ganhou nos últimos anos. Foi-se o tempo em que as conversas de mesa de bar do engenheiro Rodrigo Penalva giravam apenas em torno de mulher e futebol. Típico carioca da zona sul do Rio, ele e os amigos descobriram há pouco mais de um ano e meio um animado e rentável tema para acompanhar o chope: quais as melhores ações para se investir. "Volta e meia o assunto acaba chegando aos papéis, trocamos muitas idéias, até porque têm alguns que são mais experientes no assunto ou têm uma informação ou visão diferente que acaba ajudando", diz Penalva.

A Ativa, corretora pela qual Penalva investe, acompanhou de perto o processo. Antes focada no segmento de grandes aplicadores, como institucionais e empresas, a corretora estruturou em meados de 2005 uma área para investir na atração de investidores individuais. "Foi o momento certo, crescemos em 2.000% a base de clientes em 2006", revela Sylvia Werther, diretora da Ativa. Na corretora, cerca de 44% dos investidores têm menos de 30 anos e 28% têm entre 30 e 40, o que mostra uma base de clientes mais jovem.

As corretoras também acompanham a diversificação e mudança de perfil do investidor em bolsa. "Quem investe em ações já não é mais o homem de meia-idade, bem-sucedido, casado, com filhos, morador do Rio ou São Paulo", diz Stelio Belchior, gerente da corretora Ágora, a maior no segmento de pessoa física. As mulheres já representam 20% da base de clientes da corretora, o que há cinco anos era menos de 15%. Mais uma década e essa relação será de 60% homens e 40% mulheres, acredita Belchior.

Outra característica que marca esses novatos no mercado é que, ao contrário do que se poderia imaginar, eles prezam o contato pessoal, ou pelo menos o telefônico, com analistas e investidores da corretora. Na concorrida sala de ações montada pela Ativa com jornais, relatórios e computadores ligados no home broker e nas notícias, os hábitos dos investidores lembram os dos áureos dias do pregão viva-voz, quando dezenas de aplicadores faziam da sala ao lado, o chamado "aquário", um verdadeiro escritório, batendo o ponto religiosamente.

"Aqui é meu escritório", diz, muito sério, o investidor americano Tom Kruse. Ele chega pontualmente às 9 horas todos os dias à sala de ações da Ativa, no centro do Rio. "Leio os jornais, converso com analistas ou investidores e dou uma olhada nas notícias pela internet", conta Kruse. O divertido codinome, diz ele, é usado há décadas e só o conhecem assim. "Nos Estados Unidos, é muito comum os investidores terem esses codinomes", diz Kruse, que prefere não revelar seu nome verdadeiro.

Morador de Niterói, ele não foi correndo para o mercado aplicar, como já fazia nos EUA. "Primeiro, analisei muito para ver se era isso mesmo que eu queria fazer, pois ainda mantenho minhas aplicações nos Estados Unidos", diz ele, que atuava como empresário da construção civil na terra natal. Agora, porém, está confiante das perspectivas do mercado de ações brasileiro. "Vai se desenvolver muito, não tenho dúvidas", diz ele.