Título: O plano e o "ano A" da retomada
Autor: Pires, Valdemir e Guimarães, André Sathler
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2007, Opinião, p. A12

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado pelo governo anteontem levará algumas semanas para ser compreendido pela opinião pública, uma vez que consiste num elenco numeroso de medidas complexas, provavelmente sem a lapidação necessária para revelar tudo o que de fato significa. Assim, abre-se a temporada de apoios e ataques, podendo daí resultar o precoce sepultamento ou a negociação necessária para aparar as arestas entre os diferentes interessados.

2007 tem tudo para ser o "ano A" da retomada do crescimento econômico (pois um "Dia D" seria muito pouco para demarcar uma inflexão dessa envergadura): os fundamentos macroeconômicos nacionais estão em situação que dificilmente virá a ser melhor no médio prazo; o mercado financeiro e de capitais do país amadureceu muito nos últimos anos; a liquidez no mercado internacional é favorável; o crescimento mundial não será muito forte, mas também não será dos piores. A situação política contém muitos elementos de desagrado, mas a democracia está consolidada e a luta entre oposição e governo terá que ir além do pega-e-prende do ano passado. Bom ou ruim, o governo é este que está aí.

O PAC pode ser o elemento catalisador que estava faltando, finalmente colocando o governo e a política econômica no jogo do destravamento da economia brasileira, que a iniciativa privada e a sociedade sozinhas não conseguem jogar com bons resultados, como já está suficientemente demonstrado pelo desempenho recente. Não fosse por outros motivos, este já bastaria para receber de bom grado o esforço do governo federal para fazer e promover os investimentos necessários para o PIB parar de rastejar.

Embora não seja possível ainda descuidar dos problemas de curto prazo da política econômica - superávit primário, inflação, balanço de pagamentos etc. - já existem condições para manter apenas um olho nesses problemas, reservando o outro para as questões do desenvolvimento (necessariamente de longo prazo): produtividade, competitividade, emprego e renda.

É fundamental ter em mente que se abre um novo tempo, em que, ao contrário do que ocorria nos últimos anos (e governos), quando as tarefas fundamentais eram de estabilização econômica, a liderança pende para a iniciativa privada. O investimento de que o país precisa ou virá deste setor, mesmo que seja em parceria com o governo, no âmbito de um marco regulatório que precisa ser seguro, ou não virá. Há muito terminou a era do desenvolvimentismo intervencionista, por falência do modelo e por falta de recursos governamentais. Assim, o PAC deve ter o caráter catalisador, e propiciador de oportunidades, de um conjunto de pactos baseados em entendimentos que deverão ser costurados ao longo dos próximos meses, sob o guarda-chuva da proposta inicial do governo.

Sepultar o PAC seria um erro imperdoável. Achar que ele está pronto para rodar é outro. Dele devem germinar PACs estaduais, municipais, educacionais, científico-tecnológicos, colocando governos, universidades, centros de pesquisa, lideranças empresariais e sindicais a postos para desenvolverem políticas e projetos cujos objetivos centrais se articulem para ajudar o Brasil a ser o que ele pode (um pólo de desenvolvimento exemplar da América Latina), dando assim ao seu povo o que ele merece, depois de tanto sacrifício estabilizador e de décadas de ajustes dolorosos: emprego e renda.

-------------------------------------------------------------------------------- Nos últimos anos, a tarefa de governo foi a de estabilização econômica; agora, a liderança pende para a iniciativa privada --------------------------------------------------------------------------------

Como os recursos embutidos no programa são claramente insuficientes para a arrancada necessária, não há alternativa senão turbiná-los com criatividade e vontade política. Das críticas às propostas originais do governo poderão surgir alternativas melhores e mais fáceis de pactuar. As antigas câmaras setoriais poderiam ser reabilitadas para ajudar no processo de planejamento e condução dos projetos. O sistema federal de ensino e a rede nacional de ciência e tecnologia poderiam ser chamados a trabalhar matricialmente para o sucesso das medidas. Enfim, o planejamento governamental, tanto participativo quanto possível, poderia voltar a ser uma prática tão conveniente para todos como foi no passado a planificação do estado desenvolvimentista.

A combinação da ativação de diversos segmentos de demanda interna (construção civil, inclusão digital etc.) com a ampliação da capacidade instalada (infraestrutura, tecnologias de ponta etc.), sem que a dinâmica da economia exportadora adquirida nos últimos anos perca sua intensidade, é o caminho a trilhar para o necessário capitalismo, sem vergonha (ao contrário de capitalismo sem-vergonha - vírgula omitida), que precisa de um ambiente de negócios sem muitos embaraços, de um sistema de crédito ágil e não muito oneroso, de um governo que tributa e gasta na justa medida, e que o PAC pode ajudar a obter.

Para que o PAC possa cumprir o papel de catalisador de novos tempos na economia brasileira, será preciso que a partir de 2007 os desvios que atormentaram a política no último governo (práticas político-administrativas ilegais ou de lisura duvidosa) sejam tratadas, como devem ser, pela polícia, pelo Ministério Público e pelo Judiciário, liberando energia legislativa e executiva para os afazeres do desenvolvimento. As instituições e as lideranças não podem abandonar a busca de boas práticas governamentais e de governança corporativa: elas são elementos cruciais para o desenvolvimento e para a democracia. Mas não devem esgotar todas as suas energias e talentos nesse mister, optando por uma divisão do trabalho político que permita não perder o foco do desenvolvimento sustentável. Não se trata de crescer apesar da corrupção, mas de combater a corrupção sem esquecer de crescer. E é bom que seja assim num momento de liberação de recursos bilionários, parte na forma de renúncia fiscal e parte retirada de fundos pertencentes aos trabalhadores.

Valdemir Pires, economista, é professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da UNESP/FCL - Araraquara SP.

André Sathler Guimarães, economista, é diretor da Faculdade de Gestão e Negócios da UNIMEP - Piracicaba SP