Título: A atuação do Cade nos setores regulados
Autor: Mattos, Paulo Todescan Lessa
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Na última sessão plenária de 2006, realizada no dia 13 de dezembro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) proferiu uma importante decisão que aperfeiçoa o sistema de relações entre o órgão antitruste e as agências reguladoras. Provocado por uma empresa do setor de telecomunicações, o Cade, em uma decisão unânime, fez duas afirmações relevantes sobre sua atuação como órgão antitruste em setores regulados.

Em primeiro lugar, o Cade afirmou que normas de órgãos reguladores posteriores não alteram decisões do Cade fruto de julgamentos proferidos em processos administrativos, quando a matéria objeto da regulação é puramente concorrencial. Este entendimento decorre de um posicionamento firmado anteriormente pelo Cade no sentido de não reconhecer a isenção antitruste em nenhum setor regulado - inclusive no setor financeiro, apesar da polêmica travada no passado com o Banco Central (Bacen).

Em segundo lugar, o Cade afirmou sua competência - prevista no artigo 7º, inciso X da Lei nº 8.884, de 1994 - para recomendar alterações na regulação editada por um órgão regulador sobre matéria concorrencial, quando o conteúdo da norma estabelecida implica ou pode gerar falhas e distorções competitivas no mercado.

O Cade expressamente recomendou, no caso, alterações nos regulamentos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que disciplinaram a oferta de serviços de linhas dedicadas (EILD) destinadas principalmente a serviços corporativos de telecomunicações, por julgar que a definição de poder de mercado significativo (PMS) e de mercados relevantes, bem como a vedação de concessão de descontos na oferta de serviços de linhas dedicadas estabelecidos pela Anatel, poderiam gerar distorções competitivas no mercado.

Este posicionamento do Cade reflete que o órgão antitruste brasileiro, em sintonia com as melhores práticas consolidadas em países com maior experiência de regulação concorrencial de mercados, está cada vez mais atento a falhas regulatórias do ponto de vista concorrencial, tendo em vista sua função de zelar pelo respeito à lei de defesa da concorrência.

Isso significa que quando as agências regulam, "ex ante", variáveis concorrenciais no mercado, cabe ao Cade avaliar a adequação do conteúdo da regulação. Se este for inadequado, o Cade pode e deve recomendar alterações na norma editada pela agência.

-------------------------------------------------------------------------------- Cabe aos órgãos reguladores solicitarem o apoio dos órgãos de defesa da concorrência antes de elaborarem suas normas --------------------------------------------------------------------------------

Outra decisão importante na definição da atuação do Cade em setores regulados foi proferida em 2005, quando o conselho julgou uma conduta anticoncorrencial no setor de terminais portuários, afirmando sua competência para investigar e punir condutas anticoncorrenciais em setores regulados, mesmo diante de normas que autorizam a conduta ou diante de lacunas regulatórias do ponto de vista concorrencial que demandam atuação da autoridade antitruste para, no caso concreto, a correção das falhas de mercado não solucionadas pelo regulador.

Com essas decisões, o Cade se aproxima da recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que em 2005 cobrou, em um relatório que elaborou sobre a atuação do conselho brasileiro, uma atuação mais efetiva do órgão na advocacia da concorrência perante os órgãos reguladores, visando corrigir falhas regulatórias do ponto de vista concorrencial.

A ampliação da participação - direta ou indireta - do Cade na definição do conteúdo da regulação setorial que envolva variáveis concorrenciais é de extrema importância, especialmente em mercados cujas condições estruturais sofrem rápidas alterações em função de inovações tecnológicas - como é o caso do setor de telecomunicações.

Outra função importante da atuação do Cade na advocacia da concorrência em setores regulados reside no fato de muitas decisões técnicas do regulador envolverem escolhas políticas que não podem afastar a legislação de defesa da concorrência. Assim, cabe ao Cade se manifestar sobre a inadequação de políticas regulatórias, cláusulas contratuais, editais de licitação etc., que contenham ou possam gerar falhas concorrenciais.

Apesar das dificuldades materiais do Cade na ampliação da advocacia da concorrência, considerando os poucos recursos financeiros e de pessoal que o conselho hoje dispõe, essa função deve ser valorizada e ampliada. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) também vem auxiliando órgãos reguladores na definição de variáveis regulatórias do ponto de vista concorrencial. Cabe, então, aos órgãos reguladores solicitarem o apoio dos órgãos de defesa da concorrência antes de elaborarem suas normas ou se submeterem às recomendações de alterações do Cade, caso editem normas com falhas.

Paulo Todescan Lessa Mattos é advogado especialista em direito da concorrência e regulação econômica e pesquisador associado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

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