Título: A qualidade da educação pública está em xeque
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Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, Opinião, p. A12

O sucesso relativo da universalização do acesso ao ensino fundamental, que hoje atende a quase totalidade das crianças e jovens de 7 a 14 anos, não encontra correspondência na qualidade do ensino público. O Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), criado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, teve o grande mérito de homogeneizar o investimento em educação básica em todos os lugares do país e produziu avanços significativos na redução da desigualdade de acesso à escola por renda, região, raça, cor e gênero. A educação de qualidade, no entanto, ainda é uma questão pendente, em todos os níveis de ensino.

Esse é um grave entrave não apenas ao crescimento, mas à promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de promover o desenvolvimento com redução das desigualdades de renda. A educação é o mais eficiente instrumento de mobilidade social das classes de baixa renda. A baixa qualidade do ensino público, no entanto, não o torna um instrumento efetivo de ascensão social.

O modelo do Fundef, que está sendo ampliado pelo Fundeb (que dará atenção igualmente ao ensino médio e superior), mostrou-se eficiente na universalização dos recursos. Agora, é preciso saber o que tem comprometido a qualidade do ensino público. Uma pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revela um lado do problema: dois terços dos professores de 5ª à 8ª série e do ensino médio não têm formação adequada, ou seja, não concluíram o curso de licenciatura plena para a disciplina que ministram. Em Física e Química esse problema chega a ser dramático: 90% e 86% dos professores que dão aulas nessas matérias, respectivamente, não têm formação para ministrá-las. Em Língua Portuguesa, esse índice é de 43%; e em Matemática, de 72%. Mais do que isso, a pesquisa do Inep revela que no caso da Física e da Química, os formados em licenciatura plena nos últimos 25 anos seriam insuficientes para suprir a demanda.

Um outro estudo, este do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), organizado por Anna Maria Peliano ("Desafios e perspectivas da política social"), cita o Censo Escolar de 2004 e aponta que cerca de 17% das 835 mil funções docentes das últimas séries do ensino fundamental (5ª a 8ª) são desempenhadas por pessoas que não têm nível superior, o que seria um requisito obrigatório para essas séries. Destes, a maioria reside no interior e não têm acesso físico ou condições financeiras para cursar a universidade.

O estudo mostra ainda que, além da qualidade da educação pública, outros desafios estruturais ainda persistem. Embora o acesso ao ensino fundamental esteja praticamente universalizado, apenas 53% dos alunos conseguem conclui-lo, segundo levantamento feito por Ângela Barreto, Jorge Abrahão de Castro, Martha Cassiolato e Paulo Corbucci, no item 6 do estudo ("Subsídios para melhorar a educação no Brasil"). Em 2005, o analfabetismo ainda atingia 10,9% da população brasileira. Era reduzido também o acesso aos níveis de ensino não obrigatórios: na faixa etária de zero a 3 anos, apenas 13% das crianças freqüentavam creches; só 37% dos alunos matriculados no ensino médio o concluem. Na escala de repetências entre o primeiro e o segundo grau, apenas um terço dos jovens que entraram no ensino básico conseguem concluir as etapas necessárias para pleitear uma vaga na universidade.

Segundo os resultados do Sistema Nacional da Educação Básica (Saeb) de 2003, citados no estudo do Ipea, cerca de 60% dos alunos originários da rede pública e matriculados na 4ª série tiveram desempenho "crítico" ou "muito crítico" na avaliação de Língua Portuguesa, e o mesmo pode ser observado na Matemática. No ensino médio, no período de 1995-2003 piorou o nível médio de desempenho dos alunos no Saeb - mas os dados mostram que os estudantes de escolas privadas melhoraram o desempenho, enquanto ocorreu o contrário com os alunos de escolas públicas: 76% dos alunos que tiveram desempenho "muito crítico" em 2003 vinham de cursos noturnos, sendo que 96% eram de escolas públicas. Dos que tiveram desempenho adequado no exame, 76% estudavam em escolas privadas e 89% freqüentavam aulas no curso diurno.