Título: Crescer requer aprofundar a política econômica
Autor: Quintella, Antonio e Teixeira, Nilson
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, Opinião, p. A12

A economia brasileira completará o seu mais longo ciclo de crescimento dos últimos 25 anos no 2º trimestre de 2007. Este ciclo é marcado pela menor volatilidade da taxa de crescimento do PIB e por uma inflação abaixo da observada nos ciclos anteriores. A menor volatilidade do PIB e a baixa inflação têm contribuído para alongar os horizontes de previsibilidade na economia brasileira, favorecendo o investimento privado e o desenvolvimento do sistema financeiro, importantes alavancas do crescimento econômico.

O objetivo do governo de acelerar o crescimento passa por manter o tripé regime de metas de inflação, austeridade fiscal e câmbio flutuante. Porém, a mera manutenção das políticas atuais não é suficiente. Uma expansão consistente do PIB além da média dos últimos anos exigirá aprovação de medidas que as aprofundem, sem espaço para retrocessos.

A reputação da autoridade monetária consolidou-se nos últimos anos. O cumprimento das metas de inflação, inclusive com inflação abaixo do centro da meta em 2006, contribuirá para um maior crescimento nos próximos anos em um ambiente de maior previsibilidade. Assim, é importante preservar a atuação do Banco Central nos moldes atuais, inclusive com a concessão da sua independência formal. Além disso, em linha com a atuação de outros países que adotam o regime de metas de inflação, também seria benéfica para o Brasil a redução gradual da meta para 3%. Isso reduziria os custos de financiamento da dívida interna, ao diminuir a incerteza sobre a inflação futura, disponibilizando mais recursos do setor privado para o aumento dos investimentos.

A maior previsibilidade tem tido um reflexo favorável na administração da dívida pública. O Tesouro vem ampliando o prazo médio das emissões de títulos públicos com taxas prefixadas. No início de janeiro, promoveu-se a primeira emissão doméstica de títulos prefixados com 10 anos de vencimento. Esse alongamento da dívida tem sido facilitado pela maior presença de investidores estrangeiros no mercado interno: os estrangeiros detinham 2,2% da dívida pública doméstica no fim de 2006, praticamente o dobro do registrado em 2005. O processo tende a seguir a trajetória observada no México, onde essa participação se elevou de 1,5% em 2000 para 9,2% em 2006. A maior presença de estrangeiros no mercado brasileiro provavelmente elevará a sua liquidez e reduzirá o custo do crédito na economia.

O atual cenário da economia brasileira insere-se em um ambiente externo favorável. A atratividade dos investimentos em mercados emergentes tem se elevado significativamente. Investidores que antes se restringiam aos países mais desenvolvidos aumentaram muito o interesse por ativos dos emergentes. Nos próximos anos, o crescimento global anual de cerca de 5%, a alta liquidez internacional e a maior previsibilidade na economia brasileira favorecerão o aumento dos investimentos no país. Com isso, é muito provável que também aumente a disponibilidade de crédito de longo prazo.

Apesar do cenário favorável para o Brasil, há alguns entraves à completa normalização da economia, sendo a incerteza sobre a política fiscal o mais importante. Mesmo com os sucessivos cumprimentos da meta de superávit primário, a política fiscal ainda não tem a mesma credibilidade que a monetária. Na ausência de claro compromisso com uma meta de superávit de 4,25% do PIB por um período mais longo, que poderia reduzir a dívida líquida/PIB dos atuais 50% para 15% em uma década, os benefícios dessa política não serão capturados antecipadamente.

Para aumentar a credibilidade da política fiscal é preciso aprovar uma agenda de reformas fiscais. Mesmo com impacto limitado no curto prazo, a aprovação das reformas previdenciária e tributária e a redução das vinculações constitucionais de receitas e despesas diminuiriam os gastos públicos. Isso reduziria o risco fiscal de longo prazo, diminuiria a carga tributária no médio prazo e elevaria o investimento já no curto prazo.

O aumento do ritmo de crescimento sustentável passa também pela ampliação do papel do sistema financeiro. O mercado de capitais tem se beneficiado da maior previsibilidade e estabilidade na economia e já vem contribuindo para estimular o crescimento por meio do aumento do investimento de longo prazo.

-------------------------------------------------------------------------------- A maior presença dos capitais estrangeiros no mercado brasileiro pode elevar a sua liquidez e reduzir custo do crédito --------------------------------------------------------------------------------

Um exemplo disso é a forte ampliação do financiamento direto para as empresas por meio das ofertas de ações e das emissões de debêntures. O volume de operações de abertura de capital e de ofertas secundárias em 2007 poderá superar o de 2006. O mercado local de debêntures também vem movimentando volumes expressivos. Mas, os volumes, prazos e custos das emissões de debêntures poderiam ser mais atraentes se o investimento estrangeiro em títulos de renda fixa emitidos pelo setor privado fosse desonerado, como já ocorre com títulos públicos.

O financiamento imobiliário privado é outra modalidade de crédito que pode contribuir para o crescimento. O crédito imobiliário é ainda incipiente no país e corresponde a 2% do PIB, ante 16% do PIB no Chile e 7% do PIB no México. O setor passa por um momento de intensa atividade. O recente aprimoramento legal para o crédito imobiliário, associado à redução dos juros reais, ao aumento do emprego e da renda e à maior previsibilidade na economia, gera uma perspectiva muito positiva para o setor nos próximos anos.

Outra forma de estimular o crescimento econômico seria transferir gradualmente a decisão sobre a alocação de recursos dos diversos mecanismos compulsórios de poupança privada do Estado para os indivíduos. O Estado passou a alocar grande parte dessa poupança por meio de fundos compulsórios, em parte sob a argumentação de uma fragilidade do sistema financeiro. Porém, as instituições financeiras que operam no país já alcançam um grau de sofisticação e solidez similar ao de países desenvolvidos. Para os poupadores, a livre escolha da gestão provavelmente melhoraria a relação risco-retorno das aplicações dos recursos. Para a sociedade, o benefício maior adviria da utilização mais eficiente da poupança disponível.

Com as taxas de juros convergindo para o padrão internacional, vários ajustes na regulamentação do mercado financeiro também poderiam ser implementados, tais como a redução das alíquotas dos depósitos compulsórios. Essa redução contribuiria para a maior expansão da oferta de crédito e para a redução dos juros do crédito bancário. Além disso, os ajustes no sistema financeiro precisarão tratar da incidência da tributação sobre a intermediação financeira, tais como a CPMF.

A persistência, a implementação o quanto antes de algumas reformas estruturais e a abertura de maior espaço para a participação do sistema financeiro contribuirão para um maior ritmo de crescimento sustentável. Por fim, o caminho para um crescimento bem mais elevado, com uma distribuição de renda mais equânime, exige um maciço investimento em educação, em particular no ensino básico. Sem isso, é difícil que o país alcance um grau de desenvolvimento compatível com o anseio da sociedade brasileira.

Antonio Quintella, MBA pela London Business School, é diretor-superintendente do Banco de Investimentos Credit Suisse (Brasil) S.A.

Nilson Teixeira, Ph.D. pela University of Pennsylvania, é economista-chefe do Banco de Investimentos Credit Suisse (Brasil) S.A.