Título: A abertura do mercado de resseguro no país
Autor: Ribeiro, Amadeu Carvalhaes
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O mercado ressegurador brasileiro acaba de sofrer uma mudança histórica. A lei complementar sobre o tema, sancionada na segunda-feira pelo presidente da República em exercício, representa o término do monopólio do IRB-Brasil Resseguros e a abertura do mercado ressegurador nacional ao regime de livre concorrência. Os efeitos dessa mudança serão o aumento da solidez econômico-financeira do mercado segurador e o estímulo à livre concorrência entre seguradores diretos. Ganharão, com isso, segurados em geral, que terão acesso a seguros de maior qualidade e variedade a menores preços. Esse resultado, entretanto, dependerá das normas a serem editadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão a que a lei complementar atribui grande poder regulatório.

Todo segurador deve se certificar que os prêmios pagos pelos segurados sejam suficientes para liquidar os sinistros por ele garantidos. O resseguro é instrumento adequado a tanto, pois o segurador pode reduzir ou até mesmo eliminar os riscos a que está exposto por meio de um contrato de resseguro, transferindo-os ao ressegurador contra o pagamento de um prêmio. Com isso ele substitui um custo potencial de valor imprevisível (a diferença entre sinistros esperados e sinistros efetivamente ocorridos) por um custo de valor fixo (o prêmio).

A cessão de riscos ao ressegurador diminui, portanto, a possibilidade de insolvência do segurador, sobretudo no caso de um grande sinistro. Mas não apenas isso. Como se sabe, a homogeneidade de riscos é um critério determinante da composição de qualquer carteira de seguros. Ocorre que muitas vezes uma carteira pode conter riscos excessivamente heterogêneos, em prejuízo à saúde financeira do segurador. A saída para esse inconveniente costuma ser o resseguro, que permite ao segurador direto, independentemente da dimensão de fato de cada risco, assumir um único limite máximo de indenização por risco. Dessa forma o resseguro estabiliza as carteiras do segurador, o que lhe acrescenta em solidez econômico-financeira. Por fim, mas não menos importante, o resseguro possibilita que riscos de baixa atratividade sejam segurados, facilitando iniciativas econômicas mais arriscadas por parte de segurados finais.

O término do monopólio do IRB permitirá o aumento da oferta de resseguro a seguradores diretos no país. Admitindo-se que o resseguro é um instrumento útil à manutenção da solidez econômico-financeira do mercado, será mais fácil para seguradores brasileiros manter sua higidez por meio do resseguro oferecido sob o regime de livre concorrência. Reforça essa conclusão o fato de que ingressarão no mercado brasileiro resseguradores detentores de carteiras diversificadas internacionalmente, isto é, compostas por riscos oriundos de todo o mundo. Essas carteiras são, segundo a técnica ressecuritária, mais sólidas financeiramente do que as que se concentram em um único mercado.

A lei complementar exige o preenchimento de requisitos de higidez razoáveis pelos resseguradores que desejem atuar no país. Por exemplo, aos resseguradores locais aplicam-se as regras vigentes para os seguradores diretos. Resseguradores admitidos, por sua vez, devem manter conta em moeda estrangeira no país em garantia de suas operações, bem como apresentar demonstrações financeiras periodicamente à Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Essas regras exemplificam que a preocupação com o controle da saúde econômico-financeira dos resseguradores está presente na Lei Complementar nº 126. Dito isso, é também notável que a lei atribui ao CNSP amplos poderes para regular a matéria, de modo que esta poderá variar sensivelmente conforme a política que o órgão venha a definir.

-------------------------------------------------------------------------------- A lei complementar é condição necessária, mas não suficiente: o passo seguinte é a edição de normas sobre o setor --------------------------------------------------------------------------------

A abertura do mercado de resseguro deverá também estimular a livre concorrência entre seguradores diretos. A contratação de resseguro autoriza o segurador direto a liberar parte de suas provisões técnicas, o que aumenta sua liquidez. Com isso ele expande sua capacidade de oferta, tornando-se apto a comercializar mais apólices do que no momento anterior à conclusão do contrato de resseguro. Além disso, muitas vezes o segurador direto não tem capacidade suficiente para assumir riscos de proporções maiores, como no caso do seguro de aeronaves, plataformas de exploração e produção de petróleo e grandes obras. Nesses casos, a transferência de riscos a um ressegurador é essencial para que a oferta do seguro seja viável.

Em suma, o resseguro confere ao segurador direto a capacidade de segurar maior quantidade de riscos, bem como riscos de grandes proporções. E quanto maior sua capacidade, mais competitivo será. Daí a conclusão de que o resseguro deverá estimular a concorrência entre seguradores.

É certo que o IRB foi criado e funcionou por décadas com o propósito de incrementar a capacidade do mercado segurador nacional. Porém não se pode ignorar a existência de dezenas de resseguradores capazes de oferecer serviços à indústria seguradora brasileira, até hoje privados de fazê-lo diretamente em virtude do monopólio estatal. A abertura do mercado e a conseqüente ampliação da oferta de resseguro no Brasil aumentarão a capacidade dos seguradores diretos de assumir riscos. Esse fenômeno tende a beneficiar especialmente seguradores de menor porte, ou ainda aqueles que acabaram de ingressar no mercado e precisam encontrar meios de concorrer com seguradores de maior porte. Por meio de sucessivas contratações de resseguro e retrocessão, típicas no mercado ressegurador, tais seguradores poderão atingir a dispersão de riscos necessária a colocá-los em pé de igualdade concorrencial com aqueles de maior porte.

Os maiores beneficiados pela concorrência mais intensa entre seguradores serão os segurados. Assim como em outros mercados, mais concorrência deverá significar melhores produtos a menores preços. Serão especialmente favorecidos os segmentos da economia que adquirem seguros como insumo indispensável ao exercício de suas atividades, tais como a indústria de base, as concessões de serviços públicos e a indústria da construção, entre tantos outros.

A lei complementar é condição necessária, mas não suficiente, para que os efeitos acima se concretizem. O passo seguinte é a edição, pelo CNSP, de normas sobre o setor. O órgão regulador tem uma tarefa importantíssima e delicada à sua frente: de um lado, assegurar a solidez econômico-financeira do mercado; de outro, estimular a livre concorrência. A seguir, caberá à Susep editar regulamentos complementares e fiscalizar o cumprimento do novo quadro normativo. O mercado assistirá com grande interesse aos trabalhos do CNSP e da Susep.

Amadeu Carvalhaes Ribeiro é advogado, sócio do escritório Levy & Salomão Advogados, doutor em direito econômico pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro "Direito de Seguros - Resseguro, Seguro Direto e Distribuição de Serviços" pela editora Atlas

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