Título: Morcegos podem ajudar a recompor reservas legais
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, Agronegócios, p. B11

Morcegos comem insetos, chupam sangue, devoram peixes e até outros morcegos. Mas são os morcegos frugívoros - que se alimentam exclusivamente de frutas - que podem salvar a floresta. Pelo menos é essa a expectativa de uma dupla de pesquisadores do Paraná que desenvolveu um mecanismo para recuperar áreas degradadas, o que poderá se tornar uma ferramenta alternativa e de baixo custo para a recomposição das reservas legais das propriedades rurais do país.

A idéia é atrair morcegos a zonas desmatadas através dos odores das frutas de que gostam, deixando que eles se encarreguem de fazer a disseminação de sementes. Isso é possível graças a uma peculiaridade desses quirópteros: o sistema digestivo dos morcegos é extremamente rápido. Entre engolir uma fruta e eliminar a semente são apenas 20 minutos. "Ao contrário de outros animais, o morcego não digere as sementes. Ele come a polpa e elimina a semente intacta", afirma a bióloga Sandra Bos Mikich, da Embrapa Florestas, que em parceria com o mastozóologo Gledson Bianconi, da Sociedade Dritz Müller de Ciências Naturais, chegaram aos resultados.

"Os morcegos percorrem grandes distâncias à noite em busca de alimentos. Ao mantê-los mais tempo voando na mesma região, enganados pelo cheiro, aumentamos a probabilidade de que eles eliminem as sementes onde queremos", explica Sandra. Considerada inovadora, a pesquisa ganhou o Prêmio Ford na categoria "Iniciativa do Ano em Conservação".

Os pesquisadores trabalharam com três espécies, escolhidas pelo fato de serem as mais comuns na América Latina - Artibeus lituratus, Sturnica lilium e Carollia perspicillata. Os primeiros experimentos foram dentro de áreas florestais, incluindo diferentes áreas de Mata Atlântica e na Amazônia. Depois realizaram experimentos em áreas abertas pelo pasto e agricultura, para testar a real efetividade do morcego como disseminador de sementes. "Conseguimos atrair os morcegos para áreas no noroeste do Paraná, regiões de plantações de soja e milho", diz Sandra, da Embrapa. "Não é o tipo de culturas que eles costumam visitar".

"O resultado tem sido positivo", acrescenta Bianconi, da Sociedade Dritz Müller, encarregado de ir a campo à noite, munido de binóculo com visor noturno, observar o comportamento dos morcegos. "Com redes finas, verificamos que a permanência maior dos morcegos elevou o número de sementes no local".

Os experimentos mostraram, também, que esses mamíferos são capazes de se deslocar até 700 metros atraídos pelo cheiro. "Pode ser que alcancem distâncias até maiores, ainda não sabemos", diz a bióloga Sandra.

Os A. lituratus são os que percorrem, normalmente, a maior distância, de 21 quilômetros. Esses são mais comuns também em zonas urbanas, como Rio de Janeiro e São Paulo, já que gostam particularmente de figueiras. Já os S. lilium e C. perspicillata percorrem 5 quilômetros cada.

Para atrair os morcegos, os pesquisadores extraíram os óleos essenciais dos fruto - um por um - e aplicaram em pequenos pedaços de espuma. O desafio agora será isolar o composto químico responsável pela atração e sintetizá-lo, de modo que possa entrar no mercado e ser comercializado em larga escala.