Título: Muito além da 2ª linha
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, EU & Investimentos, p. D1

O aumento das ofertas públicas, o crescimento do mercado de capitais e a alta do preço das ações estão levando gestores e investidores a procurar oportunidades em empresas menos conhecidas. As ações com menor liquidez, as chamadas "small caps" ou de segunda e terceira linhas, devem ganhar maior evidência nesse contexto. Mas o que deve mesmo mexer bastante com esses papéis é a expectativa de que muitas dessas companhias melhorem o nível de governança corporativa de seus papéis. Para o investidor, além de ter à mão um leque maior de empresas mais transparentes para aplicar, há a possibilidade de ganhos diferenciados com os papéis.

Algumas empresas já demonstraram intenção de migrar para o Novo Mercado, caso da Romi, empresa fabricante de máquinas e equipamentos. A Gradiente marcou para o fim do mês uma assembléia de acionistas para votar proposta de redução de capital social e reforma estatutária para possibilitar, no futuro, a adesão da companhia ao Novo Mercado. Ontem, a Bovespa suspendeu a negociação do papel até que empresa esclareça como pretende fazer a conversão entre as ações preferenciais (sem direito a voto) e as ordinárias (com voto).

Os números mostram que o investidor está disposto a pagar mais por ações com melhor governança. De 2003 até ontem, o Índice de Governança Corporativa (IGC) da Bovespa registra valorização de 396,98%, enquanto o Ibovespa apresenta alta de 278,27%.

A principal origem de grandes rentabilidades nos próximos anos deve vir da grande disparidade entre o Novo Mercado e o "velho mercado", diz Fernando Camargo, sócio da Orbe Investimentos. "Temos visto na Bovespa empresas similares em termos de modelos de negócios, com faturamentos parecidos, lucratividade semelhantes, bem geridas, mas uma delas tem um valor de mercado 15 vezes superior ao da outra", conta. Isso porque, diz o executivo, uma delas abriu recentemente o capital, com regras modernas de governança, liquidez das ações e, principalmente, um eficiente processo de comunicação com o mercado. "Já a outra é uma empresa de capital aberto desde a década de 80, mas adormecida em termos de mercado de capitais", diz.

Deve-se ver nos próximos meses muitas empresas que já têm capital aberto há décadas movimentando-se para aproveitar o bom momento do mercado, diz Camargo, da Orbe. "E nessas companhias, que podemos comprar hoje a preços convidativos, estão grandes oportunidades." De olho nesse movimento, a Orbe criou uma área dedicada a aprofundar a análise de empresas menores e participar do processo de migração das melhores para um dos níveis da bolsa.

Para o investidor, o momento é interessante para adquirir ativos que ainda não passaram por esse processo de melhoria de governança, diz Fernando Tendolini, gestor da Fator Administração de Recursos (FAR), que conta com dois fundos que aplicam em empresas com boa governança corporativa. É possível se antecipar a esse movimento, participar do processo de mudança dessas companhias e colher os frutos da apreciação que esses papéis devem ter no mercado após a adesão dessas medidas, diz.

Um exemplo foi a Rossi Residencial que desde 1997 tinha ações em bolsa. Em fevereiro do ano passado, a empresa fez uma oferta pública, migrou para o Novo Mercado, e viu seu valor de mercado sair de R$ 200 milhões para R$ 2,1 bilhões.

A migração das ações da empresa para um dos níveis da Bovespa significa mais transparência, mais informações sobre a companhia e mais encontros com analistas. É o caso da Hering, maior empresa de produtos de vestuário do Brasil e sinônimo de camiseta, que tem investido fortemente em reuniões com o mercado. Outra a apostar nessa estratégia é a Ideiasnet, holding de participação em companhias de Tecnologia da Informação (TI), que reformulou o site de Relacionamento com Investidores. Já o Grupo Rede, que atua principalmente no setor de distribuição de energia no interior de São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Tocantins e Pará, prepara uma oferta de ações para ingressar no Nível 2 de governança da bolsa.

Além da maior transparência para o mercado, as companhias se comprometem a divulgar eventos e fatos relevantes. O acionista passa a ter "tag along" (direito de receber o mesmo prêmio pago ao controlador em caso de venda da empresa) ou mesmo direito de voto no caso do Novo Mercado. Outro ponto positivo está nos esforços para aumentar os negócios dos papéis no mercado e na adoção de uma política de dividendos mais clara e constante.

Como as perspectivas de ingresso de recursos na bolsa brasileira são altas e mais companhias deverão vir a mercado, a idéia dessas empresas menores é não perder essa oportunidade. "Para muitos fundos lá de fora, governança corporativa já é um critério de corte na decisão de investir ou não", diz Tereza Kaneta, diretora de planejamento da MZ Consult, consultoria em comunicação financeira e de relações com investidores. Segundo ela, o aumento da demanda de estudos relacionados à governança corporativa dobrou em 2006.

A executiva lembra que, anos atrás, a bolsa brasileira tinha poucas opções, o que fazia com que o investidor tivesse de "fechar os olhos" para certos aspectos em termos de informação na hora de escolher as ações. "Agora são muitos papéis à disposição, o que faz com que o investidor fique mais seletivo, mais criterioso, e as boas práticas de governança da empresa acabam pensando na hora de investir."

Este movimento é uma seleção natural, avalia Pedro Rudge, sócio da Investidor Profissional (IP). A gestora conta com um fundo voltado para empresas com boa governança em que mais da metade dos papéis é de "small caps". "A empresa vê que há um fluxo de investimento estrangeiro vindo para o Brasil e não quer perder a onda, já que dificilmente esse capital investe em companhias que não estão no Novo Mercado", diz Rudge. "Além disso, as empresas mais transparentes e que dão mais garantias para o investidor conseguem captar recursos com custos mais baixos." Há quatro anos, quando se falava para a empresa sobre os benefícios do Novo Mercado, o controlador perguntava quem havia feito a migração e qual a valorização dos papéis, conta Rudge. "Agora, o discurso é muito mais fácil, já que há vários exemplos no mercado."

O mercado de capitais brasileiro mudou de nível e quem quiser acessá-lo terá de mudar em termos de governança corporativa, avalia Arleu Aloisio Anhalt, presidente da Financial Investidor Relations Brasil (FIRB), consultoria de relação com investidores. "As empresas que adotam práticas de boa governança passam a ser mais percebidas pelo mercado", diz ele. Quando a empresa é pequena e não tem diferencial em termos de governança, somente meia dúzia de gestores e investidores mais qualificados a avaliam, afirma. "No momento em que a companhia se mostra para o mercado, ela começa a ser acompanhada mais de perto e comparada aos seus pares." A FIRB também dobrou o número de estudos relacionados à governança em 2006.