Título: Setor sofre com a falta de engenheiros mais experientes
Autor: Giardino, Andrea e Campos, Stela
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2007, EU & Investimentos, p. D6

O acidente ocorrido semana passada nas obras da Linha 4 do Metrô de São Paulo, que abriu uma cratera gigante na cidade, colocou sob holofotes o papel dos engenheiros em projetos desse porte. Uma questão que vem complicando o funcionamento do aquecido setor de construção no país - que até o fim de 2007 deverá receber investimentos públicos e privados da ordem de US$ 11,2 bilhões na área de infra-estrutura para projetos de energia, petróleo e gás, saneamento, telecomunicações, logística, navegação e transportes -- tem sido justamente a escassez de profissionais técnicos qualificados na área de engenharia.

A demanda por engenheiros tem sido maior que a oferta tanto em obras pesadas (hidrelétricas, barragens e metrô) como nas residenciais e comerciais de menor porte. Dados do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo (Crea-SP) mostram que no Estado há cerca de 57 mil engenheiros atuando no mercado. Grandes empreiteiras estão treinando e formando novos quadros para driblar esse 'gap', enquanto as construtoras menores estão aumentando o salário de seus engenheiros civis para driblar a concorrência e segurar os mais experientes. "No último ano, os aumentos ficaram acima de 30%", diz Edson Pereira, diretor técnico da construtora de prédios residenciais carioca Zayd. Um engenheiro civil, com 5 a 10 anos de experiência, recebe hoje, em média, entre R$ 5,5 mil e R$ 6 mil.

A falta de engenheiros civis para atuar na coordenação e incorporação das obras tem feito a Zayd postergar projetos. "Chegamos a retardar por quatro meses o início de um novo negócio este ano", conta o diretor. "Temos oito novos empreendimento previstos até 2008 e não sabemos como iremos arranjar profissionais para fazer isso", diz.

A construtora mineira de empreendimentos residenciais Diagonal, que teve um aumento de 43% no volume de negócios em 2006 (em relação a 2005) - fechando o ano com um faturamento de R$ 110 milhões- está promovendo um rodízio entre seus engenheiros para driblar a escassez de profissionais. "A solução tem sido migrar os mais qualificados para obras em Belo Horizonte, Campinas e Rio, já que não conseguimos contratar gente nova", diz Ricardo Ribeiro Valadares Gontijo, engenheiro responsável pela área comercial e estratégica da construtora. A empresa tem 25 engenheiros entre os 1,5 mil funcionários.

Fernando Mantovani, gerente da Case Consulting, empresa especializada em recrutamento, diz que a dificuldade para encontrar mão-de-obra qualificada na área de engenharia é tanta que recentemente deixou de preencher 15 vagas abertas em um cliente. "Não encontramos engenheiros com a bagagem técnica necessária". Segundo ele, na última década muitos profissionais com experiência em construção pesada acabaram abandonando a carreira pela escassez de projetos que dependiam de orçamento públicos ligados à infra-estrutura. "A maioria migrou para mercados que pagavam melhor, a exemplo do financeiro".

O mercado das mega construtoras - como Odebrecht , Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez - também passou por transformações importantes nesse período. Se antes o carro chefe eram os contratos públicos, de 2001 para cá a tendência foi de crescimento dos contratos privados, chamados de parceria público-privada. Eles exigiram uma mudança no perfil do engenheiro civil, que passou a ser o gestor do negócio. Ele não atua mais apenas como um técnico em engenharia de construção civil.

Antonio Pace, 43 anos, gerente de contratos da Queiroz Galvão e um dos engenheiros responsáveis pela construção da Estação República do Metrô, é um desses profissionais, que para não perder espaço investiu na aquisição de outras habilidades além da experiência prática. Matriculou-se em um MBA na Brazilian Business School. Com 18 anos de experiência no mercado de construção, Pace começou a carreira trabalhando com obras de edificações. Entrou na Queiroz Galvão como engenheiro de produção. Ao longo dos anos foi aprendendo outras funções. Participou de diversos programas de desenvolvimento da empreiteira. "As grandes empresas foram percebendo que precisavam preparar as equipes para enfrentar esse 'gap' de profissionais. Os engenheiros precisam estar aptos para conduzir negócios, ter visão administrativa, jurídica, de RH e entender de finanças", destaca o gerente.

Por se encaixar ao novo perfil exigido pelo mercado de construção civil, Pace teve seu passe disputado pelos concorrentes. No final de 2006, recebeu duas propostas de grandes empreiteiras para trabalhar no exterior - um dos principais mercados das gigantes da construção. Recusou as ofertas. "Fora os desafios profissionais que tenho aqui, ganho bônus por tempo de casa, bônus de participação e um percentual sobre os resultados que consigo em relação ao cumprimento do contrato", conta. Vale lembrar que ele rejeitou propostas de fora, que, de acordo com ele, implicam em salários 70% maiores do que os praticados no Brasil.

Fábio Pereira, gerente executivo da Michael Page, consultoria especializada na seleção de média gerência, diz que um dos grandes entraves do setor de construção foi o tempo em que ele esteve estagnado. "O mercado envelheceu, não formou uma base sólida com profissionais preparados para liderar projetos. Faltam profissionais de nível sênior, bons gerentes e supervisores". Esse boom, inclusive, fez com que a empresa de consultoria abrisse uma divisão para atender o setor, que em quatro meses cresceu 70% . "Enxergamos uma lacuna na formação de quem já está no mercado e, principalmente nos recém-formados", destaca.

Pereira acredita que a falta de remunerações atraentes contribuiu para que a profissão perdesse o glamour ao longo do tempo. Um dos motivos para boa parte dos estudantes estarem optando pelos cursos de engenharia elétrica, mecânica, eletrônica e de produção. No Brasil, calcula-se que existam 47 mil engenheiros graduados, segundo dados do MEC, de 2004. Em 1999, a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, que tem um dos mais concorridos vestibulares do país, formava 146 alunos na engenharia civil. Hoje, esse número não passa de 90, perdendo para outras especializações da engenharia como a mecânica (230), elétrica (187) e até química (94), conhecida por atrair menos alunos.

Anna Carolina Negri/Valor Antonio Pace, da Queiroz Galvão, está no MBA para ganhar outras habilidades O que mudou no perfil do engenheiro civil, segundo Edna Manfrin, consultora de recursos humanos da Método Engenharia, é que este profissional precisa ter qualificação em gestão de projetos, ser um bom negociador e possuir uma certificação conhecida como PMI (Project Management Institute). Atualmente, a construtora possui 230 funcionários, dos quais 90 são gerentes e engenheiros técnicos. "Número que cresceu 40% ano passado", diz. Mesmo assim, a Método vem apostando no treinamento para suprir a deficiência de formação. Este ano abriu duas turmas com 12 pessoas que serão certificadas em PMI e a meta é criar mais dois grupos até o fim do ano.

Na Schahin, encontrar chefes de obra com perfil empreendedor e gerentes com visão comercial, de planejamento, liderança e conhecimento de negócios tem sido uma tarefa árdua. "O mercado mudou e precisamos de engenheiros que acompanhem projetos desde a concorrência até a entrega da obra", afirma Darcy Paranzini, gerente de recursos humanos da construtora. Para suprir essa falta de profissionais, a empresa criou um programa de trainee para formar mão-de-obra. "Só este ano, estamos contratando dez participantes".

Segundo Darcy, a expansão de setores como o de petróleo e energia também contribui para a escassez de engenheiros. "A demanda por profissionais aumentou bastante, em meio a um mercado já complicado", ressalta. Tanto que dezembro passado, considerado um mês parado e sem grandes movimentação, foi atípico. A Schahin contratou oito engenheiros e agora tem sete vagas em aberto. "O aquecimento tem inflacionado salários e elevado o nível dos pacotes de remuneração. Hoje, para reter talentos somos mais agressivos nas políticas de bônus", revela a gerente de recursos humanos.