Título: Política comercial do país divide América do Sul
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2007, Brasil, p. A4

A América do Sul mostrou uma clara divisão ontem no primeiro dia do exame da política comercial da Argentina, na Organização Mundial do Comércio (OMC). De um lado, o Brasil, o maior sócio, resolveu só elogiar e deixar para lavar a roupa suja bilateralmente. Venezuela, Bolívia e Equador mostraram um forte entusiasmo na defesa do modelo econômico argentino.

Na direção oposta, o Chile foi de todos os membros da OMC o que mais duramente atacou a Argentina, tornando quase desnecessárias as previsíveis críticas dos Estados Unidos e da União Européia (UE). O Peru e a Colômbia também se queixaram de problemas bilaterais, mas de maneira mais moderada.

O exame da política comercial argentina foi feito com base num relatório da própria OMC, antecipado em janeiro pelo Valor. A entidade vê "riscos quanto à durabilidade" do modelo econômico em vigor na Argentina, apesar dos "notáveis" resultados obtidos e possibilidade de "aterrisagem suave" da economia, que cresce quase 9% ao ano. O principal risco seria o aquecimento da economia e "distorções" provocadas por medidas heterodoxas para reprimir os preços e aumentar a receita do Estado.

A delegação argentina fez uma defesa completa do modelo econômico, sempre comparando cifras de antes e depois da crise que abalou o país.

O Brasil "felicitou" o "sócio estratégico" pela "recuperação econômica e promoção do desenvolvimento social". E deu como "sinal mais evidente" dessa retomada o crescimento médio anual de 52,4% das exportações brasileiras para o mercado argentino desde 2003.

Já o Chile mandou um funcionário especialmente de Santiago para manifestar na OMC a preocupação com "efeitos prejudiciais de certas medidas implementadas na Argentina"; as taxas diferenciadas sobre exportações; fixação de preços para milho, trigo, girassol e soja; e subsídios para esses mesmos produtos e mais recentemente para produtos lácteos.

Pior, segundo os chilenos, é que essas medidas são modificadas constantemente, gerando "condições pouco previsíveis" para os negócios. Santiago suspeita que os subsídios dados pela Argentina para trigo e soja sejam aproveitados por exportadores de derivados, como farinha e azeite, e de frango.

Sócio no Mercosul e parceiro no G-20, o Chile foi além e estimou que a Argentina estaria "debilitando" sua posição por corte de subsídios domésticos e eliminação de subsídios à exportação na Rodada Doha.

Menos incisivo, os EUA, depois de "congratular" a Argentina por sua recuperação econômica, alertaram que algumas das políticas que conduziram a esse resultado "ameaçam a sustentabilidade do crescimento". Washington enfocou principalmente as taxas de exportação sobre quase todos os produtos, especialmente os agrícolas. Esse imposto de exportação varia de 5% a 45%, dependendo do produto, segundo a OMC.

A UE indagou até quando Buenos Aires aplicará licença não automática para a entrada de produtos como brinquedos e calçados e que também afetam produtos brasileiros. Bruxelas quis saber igualmente até quando será aplicada a lei de emergência, que dá poderes extraordinários para o Executivo fixar preços e intervir na economia. A China fez elogios, mas pediu esclarecimentos sobre a aplicação de medidas antidumping.

Depois de ouvir 40 delegações, o subsecretário de Negociações Econômicas Internacionais da Argentina, Néstor Stancanelli, fez um balanço positivo em entrevista ao Valor e minimizou as críticas do vizinho chileno, atribuindo-as "a pensamento muito tradicional de economistas ortodoxos".

Nesta quarta-feira, a Argentina vai responder as indagações dos parceiros. E sobre o principal ponto, as taxas de exportação, Stancanelli disse que a Argentina aplica a medida por duas razões: fiscal, até para pagar a dívida externa, e para controlar a inflação. "A manutenção (dessa taxa) está vinculada a redução da pobreza (29% da população além de 11% na indigência), e ao mesmo tempo, ao superávit fiscal argentino", avisou. (AM)