Título: Argentina nega pedido do Brasil e mantém restrições
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2007, Brasil, p. A4

O impasse marcou a reunião de ontem da Comissão Bilateral de Comércio Brasil-Argentina na discussão sobre as novas barreiras levantadas pelo país vizinho à entrada de fogões e geladeiras brasileiras. O governo brasileiro pediu ao governo argentino a revogação da medida. Desde 1º de janeiro está em vigor na Argentina o licenciamento não automático para a entrada desses produtos, o que fez as vendas desabarem para 6,6 mil geladeiras no mês passado, comparado a mais de 27 mil em janeiro de 2006, conforme publicou o Valor em sua edição de segunda-feira.

O pedido foi feito pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, durante reunião em Buenos Aires com o secretário do Comércio argentino, Miguel Peirano. "Nossa posição é que já não se justificam acordos como esse feitos no passado, no auge da crise argentina", disse Ramalho, repetindo o argumento que vem sendo usado pelo Brasil desde março de 2006. Ramalho se referia aos acordos de restrição voluntária de exportações, vigentes entre 2004 e início de 2006, que as indústrias brasileiras se recusaram a renovar, contrariando pedido das indústrias argentinas.

No encontro, que começou de manhã e se prolongou além do fechamento desta edição, foi feito um balanço do comércio bilateral e discutidos diversos temas onde há conflitos ou divergências, entre eles os produtos da linha branca, calçados, trigo e impostos sobre importações. Mas assim como o Brasil mantinha firme sua posição de não retomar os acordos de restrição voluntária de exportações, a Argentina também manteve a decisão de aplicar licenciamento não automático aos produtos brasileiros, um sistema que burocratiza e torna mais lenta e onerosa a entrada dos produtos importados.

Diante do impasse, Ramalho disse que encaminhou a Peirano um pedido para que a Argentina adote o "regime de urgência" para licenciamentos não automáticos, adotado pelo Brasil em outros processos envolvendo produtos importados dos países do Mercosul. Segundo Ramalho, o regime de urgência reduz o tempo de análise e aprovação das licenças de exportação de 60 dias para uma semana. O governo argentino não informou sua posição sobre o pedido.

O presidente da entidade que reúne as indústrias de eletrodomésticos da Argentina (Fedehogar), Hugo Ganin, disse ao Valor que seus associados não foram convidados para nenhuma reunião com os industriais brasileiros mas que os argentinos "dão preferência aos acordos" em relação às licenças não automáticas - medida tomada em atendimento à demanda da indústria. Ganin disse que discorda do posicionamento das indústrias brasileiras, de que os acordos de restrição voluntária já teriam esgotado sua contribuição ao desenvolvimento do setor na Argentina e que estaria havendo um desvio de comércio, com os produtos brasileiros perdendo mercado no país vizinho para produtos importados de outros países, especialmente da China. "Desafio qualquer um a encontrar uma só geladeira ou um só fogão chinês na Argentina, esse argumento não serve", afirmou.

Segundo Ganin, a indústria brasileira desses dois produtos continua mantendo o domínio do mercado argentino (94% em fogões e 80% em geladeiras) e o pouco que entra de outros países é importado pelas mesmas multinacionais que têm filiais nos dois países (citou empresas como Whirlpool e Bosch) e trazem para a Argentina equipamentos produzidos em suas filiais mexicanas e chilenas. Disse que a restrição (licenciamento não automático) às geladeiras e fogões brasileiros foi pedida com a justificativa de que a indústria brasileira recebe "mais de uma dezena de subsídios oficiais", o que dá aos brasileiros uma vantagem da qual os argentinos não dispõem (crédito barato). Ganin insistiu que a indústria brasileira "não é brasileira", mas sim controlada pelas multinacionais, ao contrário da indústria argentina do setor que é majoritariamente controlada por empresas nacionais. "O que ninguém fala", disse ele, "é que não há fogões nem geladeiras argentinos no Brasil", atacou.

Confrontado ao argumento dos industriais argentinos, Ramalho rebateu o argumento do crédito. "A posição do Brasil é que não existe subsídio à produção destinada à exportação."

Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) disse que a reunião com o setor é de "rotina", realizada a cada 40 ou 50 dias. Segundo Klein, o Brasil vem cumprindo sua cota de 15 milhões de pares anuais em vendas à Argentina. A cota representa 68% das compras de calçados que o país vizinho faz no exterior, que no ano passado foi de 22 milhões de pares - os 7 milhões restantes vêm da Ásia, principalmente da China. "O que nos preocupa é que existe um excesso de importações da China", disse Klein.