Título: Desmistificando a atual política monetária
Autor: Nakano, Yoshiaki
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2007, Opinião, p. A17

A atual política monetária tem sido vendida para o público como de meta de inflação com taxa de câmbio flutuante. Na caixinha de ferramentas do economista, ou seja, nos modelos dos livros-texto com regime de taxa de câmbio flutuante, o Banco Central fixa a oferta da moeda nacional e o mercado fixa o seu preço em moeda estrangeira, a taxa de câmbio. No regime de metas de inflação, ao invés do agregado monetário, o Banco Central fixa a taxa de câmbio para controlar a demanda agregada e, portanto, a inflação, assim não tem controle sobre a taxa de câmbio. Entretanto, o fenômeno de "medo da flutuação", sempre presente nos países emergentes, gera um forte incentivo para o Banco Central utilizar um instrumento adicional de política monetária: a intervenção no mercado de câmbio para controlar a própria inflação. É o que acontece no Brasil. Portanto, temos que esclarecer que o Brasil adota hoje, de forma plena, uma política de meta de inflação associada a um regime de taxa de câmbio administrada e, certamente, a taxa de câmbio é a âncora nominal do sistema mais eficaz.

Um país manifesta "medo da flutuação" quando anuncia que a sua política macroeconômica persegue objetivos internos que independem da taxa de câmbio mas que, repetidamente, intervêm no mercado de câmbio para administrar a sua taxa. Este fenômeno é generalizado nos países emergentes que anunciam que o regime de câmbio é de "livre flutuação", mas de fato praticam "flutuação administrada" para evitar a volatilidade e suas consequências danosas sobre o resto da economia. Este fenômeno foi detectado empiricamente por Guilhermo Calvo e Carmen Reinhart num paper com mesmo título (Fear of Floating) e Peter Bofinger, entre outros. O Brasil não foge à regra e vem manifestando "medo de flutuação" desde que anunciou o regime de flutuação livre em Janeiro de 1999. Isto ficou mais evidente durante todo o ano de 2006, com a intervenção sistemática do Banco Central e do Tesouro no mercado de câmbio para evitar apreciação maior do real, e a intervenção mais agressiva nas últimas semanas vem comprovar que estamos plenamente num regime de taxa de câmbio administrada.

A decisão do Banco Central do Brasil não poderia ser outra, já que a variação cambial tem impacto significativo na taxa de inflação e a volatilidade da taxa de câmbio tem diversas consequências negativas, aumentando a incerteza e o custo das transações externas, além do impacto negativo tanto sobre os investimentos, como sobre aumento de produtividade.

É louvável que o Banco Central venha manifestando o "medo da flutuação", pois os regimes de taxa de câmbio fixa e de flutuação administrada foram demonizados pelo FMI e pelos economistas que não enxergam nada além da caixinha de ferramentas, e considerados os principais fatores causadores das sucessivas crises cambiais e financeiras pelas quais passou a América Latina. Além disso, na prática, demoliu a falácia de que a política de meta de inflação implica, necessariamente, em taxa de câmbio flutuante.

-------------------------------------------------------------------------------- Na verdade, o Banco Central está admitindo, de forma tímida, que é preciso recorrer à âncora cambial, pois a taxa de juros é um instrumento fraco --------------------------------------------------------------------------------

Para esclarecer este último ponto basta imaginar uma regime de meta de inflação que utiliza como indicador de inflação o preço médio de uma cesta de bens composta apenas de tradables. Neste caso, se a meta de inflação estabelecida para o Brasil for igual à inflação externa, isto equivale a uma regime de taxa de câmbio fixa. Portanto, se os preços dos bens tradables têm peso significativo no índice de inflação e o coeficiente de pass-through é significativo, quando mais estável for a taxa de câmbio, mais eficaz será a política de meta de inflação e o seus custos em termos de desemprego e taxa de crescimento serão menores.

No atual quadro financeiro global de excessiva liquidez, assimetria entre países poupadores e absorvedores de bens e baixas taxas de juros de longo prazo, existem várias razões para que o movimento de capital tenha súbitos aumentos ou paradas e, portanto, num regime de taxa de câmbio flutuante que sofra forte volatilidade. Como o pass-through da variação do câmbio para inflação é significativo e a taxa de juros não pode ser utilizada como instrumento para reduzir a volatilidade da taxa de câmbio, o Banco Central será levado a utilizar outro instrumento de política: a intervenção no mercado de câmbio. É exatamente o que acabou ocorrendo no Brasil.

Como existe correlação entre volatilidade do câmbio e aumento do comércio e aumento da produtividade e, destes dois com crescimento, existe também forte pressão política. Em outras palavras, num contexto de país emergente com instabilidade e volatilidade no movimento de capitais, o Banco Central tem forte incentivo para utilizar, além da taxa de juros, outros instrumentos para alcançar a meta de inflação quando existe pass-through significativo e os preços dos tradables têm peso significativo no índice de preço escolhido.

Na verdade, o Banco Central está admitindo, de forma envergonhada, que a taxa de juros é um instrumento fraco e que é preciso recorrer à âncora cambial. Falta admitir que é um instrumento com custos absurdamente elevados e que com uma política mais flexível, de acordo com as circunstâncias, e com combinações e ênfases diferentes destes instrumentos, se complementada com um programa de eliminação do nosso sistema monetário, os entulhos herdados do período de hiperinflação, podemos levar o país a alcançar a meta de inflação com taxas de juros compatíveis com os níveis internacionais. Isto é possível se for dado, explicitamente, um novo relevo à administração da taxa de câmbio.

Uma vez demonstrada pela prática recente, com suporte em pesquisas empíricas anteriores e fortes justificativas, de que "medo da flutuação" leva a maioria dos países a praticar regime de flutuação administrada da taxa de câmbio e que meta de inflação não implica livre flutuação e, desnudada a atual política monetária, é o momento do Banco Central admitir e o governo rever sua política macroeconômica para utilizar de forma mais eficaz os atuais instrumentos. Seria um grande empurrão para o PAC, pois daria a substância que está faltando.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.