Título: Todos querem o FGTS
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2007, EU & Investimentos, p. D1

Uma fortuna de aproximadamente R$ 170 bilhões dos trabalhadores volta a ser cobiçada pelo governo, mercado e por grupos empresariais e políticos. A discussão foi retomada com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que propõe o uso de até 10% dos recursos das contas do FGTS para investimento em fundos de infra-estrutura. Agora, centrais sindicais querem usar de 5% a 10% do saldo também para a compra de ações em bolsa, de qualquer setor. A questão é: o trabalhador ganha com alguma dessas propostas?

Em termos reais, os trabalhadores já vêm perdendo dinheiro com o FGTS faz tempo. Nos últimos seis anos, o fundo de garantia rendeu 48,31% enquanto a inflação medida pelo IPCA subiu 65,34%, segundo levantamento do Valor Data. Ou seja, o que se comprava por R$ 100,00 há seis anos, hoje custa R$ 165,34, mas o trabalhador só tem R$ 148,31 no FGTS. Isso quer dizer que o trabalhador perdeu cerca de 10% de valor real no período.

Outra questão é que nem todos conseguirão ter grandes benefícios com a aplicação em bolsa, uma vez que a esmagadora maioria não tem recursos suficientes para comprar sequer um lote de ações. Dados da Caixa Econômica Federal (CEF) mostram que 94,5% das contas de fundo de garantia tem saldo médio abaixo de R$ 5.000,00. Ou seja, pelo limite de até 10% proposto, teriam menos de R$ 500,00 para comprar ações. Para o mercado de capitais, porém, as aplicações seriam interessantes, pois há pelo menos 2,3 milhões de contas com mais de R$ 14,5 mil e que teriam R$ 57 bilhões de saldo, ou até R$ 5,7 bilhões para investir.

Para o empregado, o principal atrativo seria poder contar com uma rentabilidade acima da Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano oferecida pelo fundo de garantia. Hoje o FGTS oferece a menor rentabilidade se comparada às aplicações financeiras, perdendo até mesmo para a poupança, que paga TR mais 6% ao ano. Quem aplicou parte dos recursos nas ações da Petrobras, em 2000, registra ganhos de 346,09%, até janeiro deste ano, para 43,72% do FGTS. Já aqueles que investiram nos papéis da Vale do Rio Doce acumulam retorno de 736,54%, ante 32,71% do fundo de garantia.

O problema é o risco que o trabalhador passará a correr ao comprar ações. Se perder o emprego quando o mercado estiver em baixa, poderá ficar em situação mais difícil ainda. Ou, se a empresa onde se investiu não for bem, pode-se até perder o valor aplicado. "Eventualmente, o trabalhador pode realmente ter problemas, mas é uma questão de risco/retorno, ou seja, ele estará tentando obter um ganho maior em troca de maior risco", diz Alexandre Espírito Santo, sócio da Avanti Gestão de Recursos e chefe do Departamento de Economia e Finanças da ESPM-RJ.

Para ele, o retorno do fundo de garantia é muito ruim e qualquer outro investimento é mais vantajoso. O professor diz que o percentual para aplicação de 10% hoje da proposta deveria ser elevado para até 25% e, para quem teria poucos recursos para aplicar, o governo poderia dar a opção de investir num fundo de ações.

E se a remuneração do FGTS já é baixíssima, pode ficar ainda pior, pois há propostas de reduzir ainda mais a TR, lembra André Carvalhal, professor de Finanças do Instituto Coppead. Para ele, qualquer uma das propostas hoje existentes para o uso de parte dos recursos do fundo é positiva, mas é preciso que haja transparência, principalmente no que se refere aos novos fundos de infra-estrutura. "É preciso tomar cuidado para que não se passe a idéia para o trabalhador de que investir nessas carteiras é o mesmo que aplicar nas ações da Vale ou da Petrobras porque não é", alerta. O fundo de infra-estrutura - ainda não regulamentado - deverá ser de renda fixa. O desenho desse fundo deverá permitir que o gestor aplique em cotas de fundos imobiliários, debêntures e cotas de fundos de recebíveis (FIDCs).

Ontem, as centrais sindicais e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tiveram uma reunião para definir o apoio das centrais à Medida Provisória para o uso de parte do FGTS em um fundo de infra-estrutura (leia mais na página A6). A intenção era a de facilita a tramitação da matéria no Congresso. Na MP está previsto que o trabalhador poderá aplicar 10% de sua conta apenas nos projetos que serão contemplados pelo fundo de infra-estrutura com recursos do FGTS. A Força Sindical pede, no entanto, que seja incluída no texto do governo uma emenda que garanta ao trabalhador aplicar de 5% a 10% dos recursos em ações.

Pela Medida Provisória, o fundo de infra-estrutura será regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o cotista, no caso o trabalhador, terá de assinar um termo no qual se diz ciente dos riscos, inclusive de, porventura, não atingir o ganho de TR mais 3%. Além disso, haverá um prospecto com todos os riscos. "O investidor terá de considerar os riscos inerentes à aplicação, como possíveis perdas e liquidez", diz Marcelo Trindade, presidente da CVM. Ele é contra a concessão de incentivos artificiais para o crescimento do mercado de capitais, mas avalia que, neste caso, não é o que acontece, já que a proposta veio para aumentar o crescimento econômico e não para estimular o mercado de capitais.

A idéia de usar o dinheiro do fundo de garantia para compra de ações é uma bandeira antiga da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em 2003, a bolsa encaminhou proposta de projeto à Câmara dos Deputados sobre o uso dos recursos do fundo de garantia na compra de ações. Hoje, o documento está em análise na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP).

Em 2005, o setor de previdência também se movimentou para negociar com o governo o uso dos recursos para reduzir o déficit previdenciário e desenvolver a poupança de longo prazo. A proposta ficou pronta no fim do ano passado e será encaminhada ao Fórum Nacional de Previdência, que irá discutir o novo modelo previdenciário.