Título: Brasil supera México e Argentina em inovação
Autor: Neumann, Denise
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Brasil, p. A3

No Brasil, Argentina e México - os três países mais industrializados da América Latina - os esforços de inovação ainda são muito baixos e baseados na aquisição de máquinas. Por trás desta média pobre, contudo, os três países possuem uma elite de empresas que investe muito acima da média em pesquisa e desenvolvimento. E no Brasil, a importância destas firmas para as vendas industriais do país chega a 25%, participação muito superior aos 12,7% do mesmo grupo de elite argentino e aos 5,3% do grupo mexicano.

Parte da explicação para o maior "sucesso" da elite brasileira está no total e no perfil dos gastos relacionados à inovação. A elite industrial brasileira gasta, em média, 1,4% do faturamento neste item, enquanto as firmas argentinas mais inovadoras gastam 1,08% de suas vendas e no México esse percentual é de 0,81%. Além dos valores, a composição destes gastos também é muito diferente. No Brasil, ele é igualmente dividido em máquinas e equipamentos, em pesquisa e desenvolvimento e outros itens. Na Argentina e no México, contudo, a aquisição de máquinas fica com 53% dos recursos e os gastos com pesquisa ficam com apenas 21% dos recursos alocados em inovação.

As conclusões e a comparação entre o potencial inovador da indústria brasileira em relação à argentina e mexicana fazem parte do estudo "Firmas inovadoras em três mercados emergentes", do professor Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação, ligado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

A partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e de institutos de pesquisa da Argentina e México, o trabalho de Arbix considera apenas as indústrias de capital majoritariamente nacional (50% ou mais) e deixa de lado as filiais de multinacionais. Depois, estas empresas são divididas de acordo com suas estratégias de competição. No grupo A ele colocou as firmas com forte potencial inovador e que, por isso, conseguem obter um preço-prêmio (cerca de 30% superior) quando comparado ao dos "concorrentes".

No Brasil, o trabalho encontrou 721 indústrias que podem ser classificadas no grupo A e elas representam 4,6% do total de companhias brasileiras pesquisadas por Arbix. O total de companhias investigadas na pesquisa original do Ipea é maior, mas o pesquisador montou uma amostra comparável com as das empresas argentinas e mexicanas.

Depois de identificar que a elite brasileira de empresas inovadoras é maior do que a dos vizinhos latinos, Arbix começou a levantar hipóteses do porque isso ocorreu. O que fez com que esse grupo de firmas brasileiras adotasse uma estratégia mais claramente focada na incorporação e desenvolvimento de tecnologia e com uma orientação externa mais definida do que a das "colegas" latinas? Afinal, no Brasil, as firmas do grupo A respondem por 33% das exportações brasileiras, enquanto na Argentina elas garantem apenas 12,7% do total e no México somente 3,5%.

Entre as hipóteses levantadas por Arbix está o próprio ambiente econômico e o espaço que as indústrias de cada um dos três países tiveram para desenhar suas reações. Na Argentina, a sangria do tecido industrial no período de privatizações e abertura na passagem dos anos 80 para os 90 foi muito mais intensa do que àquela a qual o setor fabril brasileiro foi submetido, primeiro na abertura promovida por Fernando Collor de Mello no início da década passada e depois com o aprofundamento dessa política ao longo da era Fernando Henrique Cardoso, observa o pesquisador da USP. Já no México, a política das "maquiladoras" simplesmente impediu o desenvolvimento de uma indústria com maior perfil tecnológico e condenou a maior parte das empresas locais a , acrescenta Arbix.

O trabalho indica que entre as empresas brasileiras do grupo A, 39% mudaram suas estratégias nos últimos 15 anos. Hoje, elas pagam em média um salário 67% superior aquele pago pelas firmas do grupo B e seus empregados possuem, em média, 9,1 anos de estudo, ante uma média de 7,6 para o segundo grupo de companhias. Arbix explica que essas empresas, na verdade, são resultado da exaustão do modelo de nacional desenvolvimentismo e da abertura da economia. Um novo ambiente de competitividade se instaurou no país com as reformas dos anos 90 e com a privatização, agregando importantes segmentos do setor de serviços.

Outra hipótese - que agora começa a ser estudada em uma nova pesquisa do Ipea junto com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) - é que esse perfil moderno está bastante relacionado à formação de quem dirige as companhias. As primeiras informações apontam para um grupo muito empreendedor e para executivos jovens (entre 42 e 53 anos) e boa parte deles com forte formação superior.

Embora Arbix considere necessário não supervalorizar essa "elite" de empresas - "para que não se considere a realidade industrial do país mais bonita do que ela é " - ele rejeita a tese de que o Brasil é um país condenado ao fracasso porque não domina novas tecnologias e é incapaz de produzi-las. "Do ponto de vista tecnológico, a China está em uma situação pior do que a nossa", argumenta ele.