Título: Cade faz acordos com empresas para "congelar" grandes fusões
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Brasil, p. A4

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu a temporada de acordos para suspender grandes fusões . O órgão antitruste deve assinar quarta-feira com a Ambev um Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (Apros) para "congelar" o processo de compra da cervejaria Cintra. Existe a expectativa que o Cade consiga também chegar a um entendimento, no mesmo dia, com a Petrobras, para delimitar restrições à compra do negócio de distribuição de combustíveis da Ipiranga.

Nas próximas semanas, o Cade deverá estudar a possibilidade de assinar acordos semelhantes com a Gol, devido à compra da Varig, e com a Telefônica, por causa da aquisição da Telecom Itália. Mas os conselheiros ainda não receberam informações consistentes sobre essas duas operações.

A temporada de Apros surgiu em resposta ao recente "boom" de grandes fusões e aquisições no Brasil. "O que aconteceu foi que as empresas abriram as carteiras e foram às compras", comentou o conselheiro Luís Fernando Rigato Vasconcellos. Para ele, não existe uma tendência do Cade em assinar Apros, mas uma resposta do órgão a cada uma das fusões.

Os Apros servem para evitar que uma fusão se consolide de tal forma a tornar inútil uma eventual decisão do Cade contrária ao negócio. Se uma empresa compra a outra, encerra sua atividade e desativa as marcas, o órgão antitruste não poderá, depois, ordenar a venda das marcas. Nesses acordos, o Cade obriga as empresas a manter estruturas separadas até a decisão final. Elas não podem fechar fábricas, nem cancelar marcas. Todos os ativos devem ser mantidos intactos. A fusão fica "congelada".

No caso Ambev-Cintra, a Ambev já comunicou ao Cade que aceita fazer um Apro para manter a marca Cintra no mercado. O documento seria assinado quarta-feira passada, mas técnicos do Cade entenderam que deveria ser melhor especificado que a Ambev não irá fechar as fábricas da Cintra. Com isso, o Cade poderá impor restrições ao negócio no futuro - como a venda das fábricas e da marca -, caso conclua que a compra da Cintra seja prejudicial à concorrência.

No caso Petrobras-Ipiranga, o órgão antitruste está tentando chegar a uma negociação para evitar que a fusão impeça restrições futuras ao mercado de distribuição de combustíveis. O Cade ficou preocupado com a elevação da participação da Petrobras para cerca de 50% do mercado em vários municípios no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os conselheiros chegaram a baixar medida preventiva suspendendo os efeitos da compra da Ipiranga nessas regiões. A Petrobras pediu para negociar e foi aberto um prazo para a estatal apresentar uma proposta de "governança corporativa" para os negócios de distribuição.

A compra da Varig foi notificada há duas semanas. O negócio é bastante diferente da união entre a TAM e a própria Varig, que foi monitorada de perto pelo Cade, com a assinatura de um Apro. A fusão acabou não sendo levada a cabo e o Apro foi arquivado.

Já a Gol comprou uma empresa em fase de recuperação. A expectativa é que, se o Cade optar por um Apro no caso Gol-Varig, não será nada dramático, pois as empresas mantêm as suas estruturas de funcionamento em separado. Inclusive os preços das passagens da Gol e da Varig estão diferentes, o que não aconteceu no caso Varig-TAM.

A compra da Telecom Itália sequer foi notificada formalmente, mas representantes da Telefônica já se adiantaram e informaram ao Cade que as estruturas das empresas serão mantidas em separado. Com isso, querem afastar a possibilidade de assinar um Apro, no qual a promessa de independência se transformaria em obrigação.

O Cade estava há mais de um ano sem assinar Apros, mas o recente "boom" de fusões levou os conselheiros a retomar a prática. No processo da compra da Ipiranga, o órgão assinou acordo com a Braskem, que terá que manter os ativos, as instalações físicas e a carteira de clientes e fornecedores de matérias-primas da Ipiranga Petroquímica. E, agora, deverá chegar a termo com a Petrobras.

O primeiro Apro do ano provocou a suspensão dos efeitos da compra da Engine Products Group - divisão de motores da Dana Corporation pelo grupo Mahle. O negócio rendeu 88% do mercado de pistões - componentes usados na indústria automotiva - e os conselheiros acharam prudente "congelar" a aquisição.

O primeiro Apro foi assinado pelo Cade em março de 2002 no processo da compra da Biobrás pela Novo Nordisk. Na mesma data, o Cade também fechou o Apro mais famoso, que suspendeu a compra da Garoto pela Nestlé.

Apesar de levarem a restrições temporárias às empresas, os Apros não são mal vistos pelos advogados. A assinatura dos acordos de suspensão das fusões leva em conta um processo de negociação com as empresas, não são decisões impostas pelos conselheiros.