Título: Conferência conciliará fé e engajamento social
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Brasil, p. A6

A 5ª Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam) aberta pelo papa Bento XVI ontem, em Aparecida, deverá conciliar a pregação espiritualizada proposta no discurso do pontífice com o engajamento social que ainda caracteriza diversas dioceses católicas no continente. A composição da assembléia, com a ala progressista solidamente representada, e o equilíbrio do documento inicial, indicam que acelerada perda de fiéis, no Brasil e em outros países da América Latina, não é vista como razão definitiva para que a Teologia da Libertação seja sepultada.

Qualquer tentativa de se fazer uma guinada radical na Igreja Católica da América Latina, de modo a afastá-la do engajamento em movimentos sociais para aproximá-la de uma ação missionária e espiritualista, nos moldes das igrejas protestantes e movimentos eclesiais, como a Renovação Carismática, enfrentará forte resistência dos bispos reunidos na Celam, que encerra suas atividades dia 31.

Mesmo depois da contínua substituição de bispos progressistas por moderados ou conservadores, ao longo do pontificado de João Paulo II (1978-2005), a Igreja latino-americana continua a mais autônoma em relação ao Vaticano em todo o mundo. É a única que promove um encontro continental. A tentativa de João Paulo II de substituir as Celams por um encontro das três Américas, em que a especificidade latino-americana desapareceria em uma reunião com Estados Unidos e Canadá, foi abandonada pelo antecessor de Bento XVI, diante da reação negativa de seus comandados.

A composição dos bispos que participam da Celam indica um equilíbrio que tende a impedir mudanças bruscas. Entre os 25 bispos brasileiros, a ala progressista está bem representada. Pelo menos oito são identificados com a corrente, ante seis prelados com maior identidade com o grupo conservador. Onze oscilam entre uma ala e outra, conforme o tema.

Os bispos brasileiros chegam com a disposição de conciliar o engajamento da Igreja nas questões sociais com a retomada de uma mensagem espiritualista e de reação ao avanço pentecostal e à laicização do Estado, como deseja o Vaticano. "A Teologia da Libertação é útil e necessária, porque não haverá paz sem uma aproximação cada vez maior com os pobres. Mas a fonte dessa aproximação deve ser evangélica, e não ideológica, como muitas vezes foi no passado. Será preciso evangelizar a análise social", disse o arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, um dos delegados titulares progressistas. Neste sentido, a mensagem do papa deverá ser filtrada no documento final. "A palavra do papa tem muito peso, mas a Celam tem tensões internas", disse dom João.

O tom de equilíbrio marcou o documento síntese da Celam, que servirá como uma espécie de anteprojeto do documento final. No texto, há por exemplo uma exortação para que a Igreja se volte à exaltação mística. Mas são colocados limites no proselitismo, ao se tratar da convivência com crenças indígenas, uma questão que preocupa a Igreja do norte do Brasil, mas que é central em países como México, Bolívia, Equador e Peru. "As etnias exigem respeito. É impossível não reconhecer os abusos dos que pretenderam impor violentamente outra ordem social e cultural, e às vezes também de fé."

Um sinal do equilíbrio foi a interpretação dupla dada ao discurso do papa aos bispos, na catedral da Sé, na sexta-feira. Bento XVI começou sua preleção com a citação bíblica em que Jesus Cristo proclama sua obediência ao Pai. Era um recado claro que o Vaticano espera obediência dos bispos às suas recomendações gerais. Mas em seguida, ele mandou mensagens para todos os gostos. Aos de filiação conservadora, observou os limites de uma pregação social. Aos progressistas, agradou ao reafirmar a preferência pelos pobres das periferias urbanas e rurais. (CF)