Título: Bento XVI prega separação entre religião e política
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Brasil, p. A6

O papa Bento XVI, ao discursar ontem para os bispos da América Latina e do Caribe, subordinou o envolvimento da Igreja em questões políticas e sociais a uma retomada da evangelização. Segundo ele, não há como construir uma sociedade mais justa sem que funcione o que chamou de "consenso moral da sociedade sobre valores fundamentais", o que só é possível se a religiosidade estiver em alta. "Uma sociedade na qual Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver de acordo com estes valores", disse.

O papa fez a observação na abertura da 5ª Conferência Episcopal da América Latina e Caribe (Celam) que tratava de problemas sociais e políticos. A partir deste pressuposto, Bento XVI atacou o marxismo, ferramenta de análise usada pelos teóricos da Teologia da Libertação nos anos 70 e 80. "O sistema marxista, onde foi governo, deixou apenas uma herança de destruição econômica e ecológica", disse, colocando a crítica aos regimes de esquerda na mesma intensidade da crítica à economia capitalista, "onde cresce constantemente a distância entre ricos e pobres e se produz uma inquietante degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e a enganosa miragem da felicidade".

Ao mais politizado episcopado católico no mundo, onde este ano um bispo no Paraguai (Fernando Lugo, de San Pedro) solicitou afastamento da Igreja para concorrer à presidência, Bento XVI pediu distância da vida político-partidária. "O respeito a uma sã laicidade é essencial na tradição cristã autêntica. Se a Igreja começasse a transformar-se diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela Justiça, mas faria menos, porque perderia a sua independência e a sua autoridade moral, identificando-se com um único caminho político e com uma posição partidária."

O papa sugeriu que a Igreja procure catequizar o meio político para suas posições. "Tratando-se de um continente de batizados, convém notar a ausência, no âmbito político, da mídia e da universidade, de vozes e iniciativas de líderes católicos com forte personalidade e dedicação generosa. "

Ao retomar sua pregação por uma ênfase maior no papel espiritual da Igreja, Bento XVI procurou responder a críticas dos que defendem uma Igreja com maior envolvimento temporal. Foi o momento em que foi mais aplaudido: "Diante da prioridade na fé em Cristo, poderia surgir uma outra questão: esta prioridade não poderia ser por acaso uma fuga para o intimismo, para um individualismo religioso, um abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina, uma fuga da realidade para um mundo espiritual?", indagou, sintetizando as críticas de teólogos, que se autodenominam progressistas, fazem a esta estratégia. E respondeu: "Só quem reconhece Deus, conhece a realidade. A verdade desta tese se torna evidente diante do fracasso de todos os sistemas que costumam colocar Deus entre parênteses."

Recebeu acolhida mais discreta a defesa de uma revisão da relação entre a Igreja e os povos indígenas. Desde os anos 70, os missionários católicos suspenderam o trabalho evangelizador, para atuarem na organização social dessas comunidades. O papa sugere claramente ir adiante e diz que as religiões indígenas, na prática, estão mortas. "A utopia de tornar a dar vida a religiões pré-colombianas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não será um progresso, mas um regresso", disse. Depois de abrir a conferência episcopal, Bento XVI encerrou sua visita ao Brasil e retornou ao Vaticano.