Título: Congresso segue a reboque da pauta governista
Autor: Ulhôa, Raquel e Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Política, p. A8

A regulamentação do pagamento dos precatórios (dívidas da administração pública decorrentes de sentença judicial) volta, nesta semana, à negociação no Senado. Reivindicação antiga de prefeitos e governadores, o assunto volta e meia vem à tona, mas acaba submergindo. Virou praxe no Congresso: propostas consideradas prioritárias em certos momentos, acabam esquecidas, até que um fato novo as tire da gaveta.

Os exemplos são muitos. As reformas política, tributária, trabalhista e previdenciária, de tempos em tempos ocupam manchetes, mobilizam governos, parlamentares e setores envolvidos, mas não saem do papel - ou avançam a conta-gotas. Os acordos são difíceis. E, se realizados, nem sempre são cumpridos pelo governo, segundo a oposição.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o projeto que criou a Super-Receita e os que regulamentam a Sudene e a Sudam. Mesmo aprovados depois de muita negociação e audiência pública tiveram dispositivos vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sem acordo, uma proposta legislativa só tem chance de ser aprovada se o rolo compressor governista for acionado - o que acontece apenas em temas de interesse do governo.

Casos de violência que chocam a sociedade suscitam a discussão de medidas de segurança pública. No ano passado, depois dos ataques do PCC em São Paulo, o Senado aprovou 11 projetos de combate ao crime organizado. Em maio de 2006 foram enviados à Câmara, onde ainda não foram votados. Agora, em 2007, os senadores prepararam outro pacote antiviolência, depois da morte de João Hélio Fernandes, de seis anos, arrastado por ruas do Rio.

"Falta ao Congresso um planejamento próprio. Ele só segue a pauta do governo. Só não segue quando há uma comoção social. E, nesses casos, atua de forma improvisada, às vezes votando a toque de caixa", avalia o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz. Segundo ele, o maior prejuízo disso é a insegurança jurídica.

Os partidos não são capazes de colocar suas divergências de lado para construírem uma pauta própria. Aliás, não é um problema exclusivo dos partidos. Câmara e Senado também vivem uma constante disputa política, que inviabiliza acordos e resulta em constantes modificações de projetos - ou, às vezes, o simples engavetamento.

"Há um buraco negro entre Câmara e Senado. Os senadores aprovaram a reforma política, e ela parou na Câmara. Aprovaram uma reforma tributária, que não andou lá. O pacote de segurança de 2006 idem. São propostas que estão no purgatório legislativo", disse o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). "O Parlamento só funciona por acordo. Sem acordo, ele trava", diz o lider do PSB no Senado, Renato Casagrande (ES).

Alguns projetos passam por uma verdadeira via crucis nas duas Casas, mesmo com fortes padrinhos. Exemplo emblemático é o que regulamenta as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), apoiado por Renan e pelos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Em 96, começou a tramitar no Senado. Ficou cinco anos na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Em 2001, foi para a Câmara. Lá, passou por quatro comissões. Houve audiências, mudanças de relator e adiamentos de votação. Seis anos depois voltou ao Senado. O governo é contra, mas Lula quer uma solução que agrade Sarney. Amanhã, o relatório começa a ser discutido na CAE.

"Se tivesse que desanimar, teria desanimado há 20 anos. Acompanho o assunto desde o governo Sarney, quando participei do grupo que elaborou o projeto", disse o presidente da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (ABRAZPE), Helson Braga.

Em muitos casos, o projeto ultrapassa barreiras, chega ao plenário, mas de lá não sai facilmente. Nessa etapa, o maior obstáculo é o excesso de medidas provisórias. As MPs trancam a pauta se não forem votadas até 45 dias depois da edição. A pauta atual do Senado está trancada por 14 MPs - sete delas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Entre as matérias aguardando a liberação da pauta para ser votada está a PEC que acaba com a reeleição para o executivo. Tema tratado recentemente como consensual entre governo e setores do PSDB. Hoje, ninguém mais fala no assunto.

O líder da Minoria na Câmara, Júlio Redecker (PSDB-RS), atribui responsabilidade ao presidente do Senado. "Renan não cria a comissão mista que existe para analisar se a MP tem ou não a urgência constitucional exigida", reclama. O tucano tem razão. A última comissão mista instalada para analisar MPs antes da tramitação na Câmara e no Senado foi em 2004, com a comissão do salário mínimo, relatada por Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Quem deixa entupir a pauta é o Renan", diz Redecker.

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) devolve a crítica. Diz que as MPs do PAC estão enfrentando dificuldades não por divergências de mérito, mas pela conduta da oposição. "Há abuso da obstrução como estratégia parlamentar", afirmou.