Título: Governo prepara alívio financeiro para Estados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Opinião, p. A10

Após forte pressão dos governadores, o governo Lula decidiu elaborar uma proposta que assegure, aos Estados, alguma forma de alívio financeiro. Ela ainda não está pronta, mas o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, adiantou que algo será feito. A solução, disse ele, será "intermediária" - não comprometeria a saúde das contas públicas nem deixaria os governos estaduais de mãos abanando.

O tema é delicado. As regras que regem o pagamento das dívidas refinanciadas dos Estados com a União foram estabelecidas pela Lei 9.496, de 1997. Por essa lei, os governos estaduais só podem contrair novos empréstimos se sua dívida corrente líquida não for superior a uma vez a receita líquida real. Dados do Tesouro mostram que, em 2006, 12 Estados, entre eles, os mais ricos (São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), não tinham condições de contratar novas dívidas.

Trata-se, sem dúvida, de uma regra severa, adotada num momento em que reinava plena desordem nas contas públicas não só dos Estados, mas também nas da União, premidos que estavam pelo impacto nas finanças da queda brusca da inflação, promovida pelo lançamento do Plano Real três anos antes. Para o conjunto das contas de todos os Estados e do Distrito Federal, a relação entre dívida e receita corrente líquida fechou 2006 em 142,6%, acima do limite que autorizaria novos endividamentos. É importante registrar, no entanto, que a situação vem melhorando - em 2000, essa relação era de 170,6%.

Os governadores alegam que o limite da Lei 9.496 é extremamente rígido e fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi aprovada depois, no ano 2000. Ocorre que não constam da LRF limites para o endividamento dos Estados. A lei remeteu essa prerrogativa ao Senado, que, por sua vez, aprovou resolução permitindo que o teto de endividamento dos governos estaduais seja equivalente a duas vezes a receita líquida anual.

Há uma distinção entre os conceitos de receita corrente líquida e receita líquida anual. De qualquer forma, a resolução do Senado estabelece um limite de endividamento mais frouxo que o da lei de 1997. Em tese, por ser uma lei complementar, a LRF é superior hierarquicamente à lei que fixou as regras de refinanciamento das dívidas dos Estados. O problema é que o mesmo não pode ser dito da resolução do Senado. Além disso, a LRF veda de forma taxativa, em seu artigo 35, a possibilidade de renegociação dessas dívidas.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, de início reagiu contra a proposta dos governadores, argumentando que a mudança da regra original ampliaria de forma insustentável o limite de endividamento dos Estados. Desde o início das discussões, antes mesmo da posse dos atuais governadores, ele foi contrário à renegociação das dívidas estaduais e à possibilidade de mudanças no texto da LRF. Agora, porém, a elaboração de uma proposta intermediária está sendo feita por seus assessores.

A preocupação de Mantega é justificável. Uma vez que, em meio à crise fiscal vivida pelo Estado no fim dos anos 90, as dívidas estaduais foram federalizadas e as contas do setor público passaram a ser calculadas de forma consolidada, a União não pode correr o risco de perder o controle sobre as finanças. Embora tenha avançado bastante nos últimos anos, o ajuste fiscal não é uma obra completa. A relação entre dívida pública e PIB caiu de 50% para 45%, segundo a nova metodologia do IBGE, mas é fato que o Estado brasileiro continuará tendo que produzir superávits primários elevados, nos próximos anos, para assegurar a solvência de suas contas.

É verdade que, na medida em que o ajuste fiscal avançar, o governo será obrigado a rever a atual estrutura, sob pena de manter a Federação amarrada a Brasília. Hoje, governadores e prefeitos, mesmo quando gerindo as finanças de forma responsável, estão impedidos de investir e de executar políticas públicas que atendam as demandas de suas comunidades. A centralização das contas foi necessária porque a inadimplência dos Estados e municípios caía no colo do Tesouro, mas já é possível começar a pensar em flexibilizá-la. O saudável diálogo existente hoje entre União e Estados é um bom começo para tratar do assunto.