Título: Crescimento, emprego e aumento da renda
Autor: Dedecca, Cláudio Salvadori
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Opinião, p. A10

A divulgação pelo IBGE das Contas Nacionais segundo a nova metodologia de cálculo vem alimentando uma onda de otimismo quanto às possibilidades de crescimento da economia brasileira para a segunda metade da década. Afinal, a expansão do produto de 2006, estimada inicialmente em 2,9%, atingiu 3,7% pela nova metodologia. A melhoria do cálculo do PIB representou 0,8 ponto percentual a mais no resultado consolidado de 2006. Isto é, uma elevação de mais de 20% da taxa de crescimento anterior.

Sem dúvida, os novos dados sinalizam um quadro econômico mais favorável. O tamanho do PIB é significativamente superior e as relações dívida pública/PIB e dos gastos públicos/PIB passam a se situar em patamares expressivamente mais baixos, sinalizando tanto condições mais positivas para o comportamento da atividade econômica como para a recuperação do investimento do governo federal.

Este ensaio analisa a distribuição funcional da renda do ponto de vista da remuneração do trabalho, isto é, a composição do PIB sob a ótica da renda. Segundo os resultados apresentados, a participação dos salários, em 2004, foi de 31,1% na nova metodologia, contra 25,7% na anterior. Computadas as contribuições sociais, a participação bruta da renda do trabalho assalariada ficou próxima a 40% na nova metodologia.

Os resultados revistos apontam uma situação mais favorável dos salários na renda nacional, porém é preciso ressaltar que a nova metodologia não altera a tendência de estabilidade da renda do trabalho no PIB (ver gráfico). Isto é, se o crescimento recente tem se mostrado razoavelmente vigoroso quanto à geração de novas oportunidades ocupacionais, como tem apontado outras fontes de informação, ele tem dado também evidências de ser insuficiente para alimentar um movimento de elevação da participação da renda do trabalho no produto.

Os resultados da Pnad para o período de recuperação da econômica brasileira (2002-2005) trazem algumas evidências relevantes que podem permitir elucidar esta questão. Segundo esta fonte de informação, a massa de rendimentos do trabalho cresceu 5,5% para o período como um todo. Se descontado o efeito do aumento da ocupação, a massa de rendimentos passa a apresentar uma queda de 3,7%. Os dados da Pnad mostram, portanto, que a estabilidade da participação da renda do trabalho no PIB foi determinada principalmente pelo aumento da ocupação, já que o rendimento médio teve uma redução de 3,3% ao longo do período.

-------------------------------------------------------------------------------- Recuperação da renda do emprego depende do aumento do desempenho do mercado interno e de obras de infra-estrutura --------------------------------------------------------------------------------

A conjugação dos resultados dos dois levantamentos do IBGE nos propicia um alerta quanto à relação entre crescimento econômico e mercado de trabalho. Não resta dúvida que a taxa atual de expansão do PIB, mesmo na nova metodologia, tem sido capaz de recompor o nível de ocupação, inclusive com redução do nível de informalidade. O crescimento recente, mesmo que limitado, tem mostrado que estabelece novas relações dinâmicas no tecido produtivo nacional, virtuosas para a recomposição do nível de emprego formal do mercado de trabalho. No entanto, ele tem também explicitado sua limitação para recuperar o rendimento médio do trabalho.

Ainda segundo a Pnad, apesar da evolução desfavorável do rendimento médio, tem se observado uma recuperação do rendimento de base da estrutura ocupacional, que não pode ser associada ao aumento da ocupação. Os dados revelam que o movimento foi determinado pelo papel ativo da política pública de valorização do salário mínimo, evidenciando uma tendência de concentração da estrutura ocupacional ao redor do piso legal. Constata-se que a política pública tem sido decisiva para a proteção dos baixos salários, tanto no segmento formal como no informal do mercado de trabalho.

Não há sinais de constituição de uma dinâmica econômica que consiga sinalizar alguma escassez de mão-de-obra ou fortalecimento das negociações coletivas que pudessem viabilizar uma melhora das remunerações do mercado de trabalho, independentemente da política pública de valorização do salário mínimo.

Devemos dar parabéns ao IBGE pela contribuição que trouxe à sociedade em termos de informações mais atualizadas e precisas sobre o produto e a renda nacionais; aplaudir a recuperação econômica, por ser ela capaz de engendrar uma configuração produtiva que vem promovendo a recuperação do mercado formal de trabalho; e envidar esforços para que o crescimento se acelere e gere efeitos mais virtuosos sobre o mercado de trabalho, seja em termos de novas oportunidades ocupacionais, seja, principalmente, na constituição de um movimento de recuperação generalizada dos rendimentos do trabalho.

Para que essa perspectiva venha a se concretizar, é decisivo que o mercado interno volte a ter um desempenho ponderável, principalmente nos setores não exportadores e nas atividades de infra-estrutura. Neste sentido a realização do PAC é fundamental para a elevação da taxa de crescimento. Resta, entretanto, que o governo o execute com rapidez e de modo adequado.

Caso haja êxito no front do PAC, a recuperação econômica e a política pública de salário mínimo poderão viabilizar a elevação mais generalizada dos salários e, em decorrência, abrir perspectivas de incremento da participação do trabalho na renda nacional. Se concretizadas estas expectativas, é possível que venha se abrir uma nova fase para a economia brasileira, na qual o crescimento se traduza enfim em desenvolvimento econômico e também social.

Cláudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp.