Título: Vietnã segue os passos da China e avança no Brasil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 14/05/2007, Especial, p. A12

Uma operária vietnamita de uma confecção nos arredores da capital Hanói recebe US$ 0,28 por hora. É o salário mais baixo do mundo nesse setor, só igualado por Bangladesh, segundo dados da Werner Consulting, principal consultoria global da área têxtil. No Brasil, uma costureira recebe, em média, quatro vezes mais: US$ 1,06 por hora.

No Vietnã, o salário consegue ser menor que na China, conhecida pelas longas jornadas e pelos raros direitos trabalhistas. Uma operária ganha US$ 0,76 por hora em uma confecção do litoral chinês e US$ 0,48 no interior do país. A situação no Vietnã pode ser considerada opressiva, mas o custo do trabalho se transformou na principal ferramenta de desenvolvimento do pequeno país asiático.

"O Vietnã é a bola da vez para as empresas intensivas em trabalho. É uma 'Chinazinha'", diz Maurício Moreira Mesquita, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O comentário provocaria polêmicas nas ruas do país, porque os vietnamitas detestam os chineses. A rivalidade com o vizinho de dimensões continentais é histórica e cresceu com as guerras. Mas o Vietnã está realmente seguindo os passos da China: nação comunista faz uma abertura orientada do mercado e atrai investidores ávidos por mão-de-obra barata.

Na rota chinesa, o Vietnã iniciou sua industrialização pelos setores de calçados e têxteis - a maneira mais fácil de empregar um grande contingente de pessoas com pouco investimento - e sua inserção internacional pelos mercados dos Estados Unidos e da União Européia. Mas, aos poucos, os vietnamitas estão descobrindo o caminho para a América Latina e para o Brasil. "Enquanto a indústria brasileira chora por conta da China, o Vietnã está chegando", diz Rodrigo Tavares Maciel, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil - China.

As importações brasileiras de produtos vietnamitas somaram US$ 75 milhões em 2006 - um valor pequeno, mas o crescimento é expressivo: 58% em relação a 2005, acima, portanto, dos 24% da média nacional. Em 2000, o Brasil comprava apenas US$ 19 milhões do Vietnã. As exportações brasileiras para o país asiático cresceram quase o dobro, 109%, para US$ 128 milhões em 2006, o que garante superávit para o Brasil de US$ 53 milhões.

Mas o perfil das pautas exportadoras é muito diferente. O Brasil vende commodities para o Vietnã: madeira, frango, couro, fumo, fios de seda etc. Em 2006, as vendas de frango cresceram 373% e as de madeira, 75%, o que explica o "boom" exportador. Enquanto isso, o Vietnã manda manufaturados para o Brasil, principalmente calçados e têxteis. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as vendas de calçados de matéria têxtil com sola da borracha ou plástico, por exemplo, cresceram mais de 300% no ano passado.

A participação do Vietnã nas importações brasileiras de calçados subiu de 7,4% em 2004 para 20,7% em 2006 e o país já é o segundo maior fornecedor do Brasil, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados). A China segue dominando o mercado de sapatos importados brasileiro, mas seu "market share" caiu de 70% para 61%. As empresas instaladas no Brasil que mais compram produtos vietnamitas são Nike, Adidas e Puma. O Vietnã produz majoritariamente tênis e calçados esportivos, que requerem mais mão-de-obra para a costura e não saem tão rápido de moda, o que evita preocupações com distância ou com estoques.

A Nike é hoje, indiretamente, a maior empregadora do Vietnã. A empresa possui contrato de produção com 40 fábricas no país asiático, 10 de calçados e 30 de vestuário, que juntas geram 160 mil postos de trabalho. Conforme sua assessoria de imprensa, a Nike produz no Brasil 65% dos calçados que vende no país. O restante é importado de China, Vietnã, Indonésia e Tailândia. China e Vietnã têm quase a mesma participação nas importações para o Brasil, entre 25% e 35%, dependendo da coleção.

Milton Cardoso, diretor-superintendente da Vulcabras, que produz com exclusividade os tênis Reebok no Brasil, viajou para o Vietnã para conhecer a concorrência. "A indústria do Vietnã já nasce com fábricas de qualidade, que possuem boa infra-estrutura e equipamentos novos", relata. A China começou a produzir calçados quando sua economia ainda era fechada, por isso os produtos eram ruins e as fábricas, obsoletas. Foi com o início das joint-ventures internacionais que o país ganhou know-how.

O Vietnã é o quinto maior produtor mundial de calçados, mas o terceiro maior exportador. Dos 445 milhões de pares que produz, o país exporta 420 milhões, perdendo no mercado externo apenas para a China, com 5,8 bilhões, e Hong Kong com 744 milhões. O Brasil produz mais calçados que o Vietnã, 755 milhões de pares, mas, por conta do tamanho do seu mercado interno, exporta menos, 212 milhões.

As indústrias de calçados e têxteis são tradicionalmente migratórias. Os empresários que produzem calçados hoje no Vietnã vieram de Taiwan. São grandes empresas que trabalham em parceira com Nike ou Adidas há mais de 40 anos, começaram em seu país de origem, mudaram para a China e agora chegam ao Vietnã sempre atrás de mão-de-obra barata. Além disso, diversificar a produção é uma segurança para essas empresas.

A medida que a China se industrializa, os trabalhadores optam por vagas na indústria automobilística, química e eletroeletrônica, que se desenvolve com velocidade no litoral do país e paga melhor. As indústrias de calçados estão migrando para o interior da China, em busca de salários mais baixos e dos incentivos do governo, que quer promover o desenvolvimento regional. Mas os profissionais estrangeiros que dirigem as fábricas estão pouco dispostos a se mudar para uma cidade há 15 horas de trem do litoral ou dependente do caótico tráfego aéreo interno da China. Nessas circunstâncias, os arredores de Hanói, no Vietnã, parecem muito mais atraentes.

Os calçadistas e as confecções chegaram a fazer uma incursão pela Indonésia há seis anos, mas diminuíram os investimentos após os distúrbios políticos. Foi quando voltaram-se para o Vietnã, um país que também é densamente povoado, com 85 milhões de pessoas, uma mão-de-obra basicamente rural, legislação trabalhista permissiva, incentivos governamentais e infra-estrutura razoável. E, paradoxalmente, atrai investimentos, porque seu regime comunista garante estabilidade. Além, é claro, da mão-de-obra com custo imbatível.

As confecções do Vietnã atacaram os mercados dos EUA e da UE. As importações de roupas vietnamitas para os Estados Unidos, com quem o país possui um acordo de livre comércio, subiram 6.000%, de US$ 48 milhões em 2000 para US$ 3,2 bilhões no ano passado. Para os europeus, a alta foi de US$ 1 bilhão para US$ 1,5 bilhão no período, com uma queda do preço médio por quilo de US$ 16,6 para US$ 7,6.

"O Vietnã ainda não começou a vir para cá", afirma Rafael Cervone Neto, presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de São Paulo (Sinditêxtil). "Mas quando tirarem o pé do acelerador no mercado americano, que está cada vez mais protecionista, virão para a América Latina." Para o diretor-superintendente da Hering, Ulrich Kühn, a produção do Vietnã está evoluindo muito. "Até pouco tempo os produtos chineses também não eram relevantes no Brasil", diz.

As importações brasileiras de produtos têxteis do Vietnã chegaram a US$ 8,4 milhões em 2006, um valor pequeno, mas bem acima dos ínfimos US$ 596 mil de 2003 ou dos US$ 2,7 milhões de 2000. A China é o principal fornecedor de têxteis para o Brasil, respondendo por 60% das importações de US$ 2,4 bilhões do país. O Brasil tem superávit com o Vietnã em têxteis, porque exportou US$ 9,2 milhão em 2006, muito mais do que os US$ 200 mil de 2000. Mais uma vez a resposta está nas commodities. O Brasil é um grande fornecedor de algodão para os vietnamitas.

O Vietnã é um pequeno país de 329 mil quilômetros quadrados, enquanto o Brasil conta com 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Mesmo assim, mete medo em alguns setores da indústria nacional. "O Vietnã é uma ameaça para o Brasil, porque os custos do trabalho são muito menores", constata Jean-Pierre Lehmann, professor de política econômica internacional do instituto suíço IMD. Ele critica o alto nível de regulamentação da economia brasileira, que torna o país pouco atrativo para os negócios. Para o especialista, a experiência vietnamita deixa claro que o "fenômeno China" não se restringe ao gigante asiático e que será difícil combater a situação com medidas protecionistas.