Título: Manifestação reúne 300 mil contra desigualdade e política econômica
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Política, p. A5

Mais de 300 mil pessoas foram às ruas ontem, no Dia da Pátria, para protestar contra a desigualdade social, a corrupção e a política econômica, em mais de mil cidades de todo o país. Realizada em ano eleitoral, a 12 edição, o "Grito dos Excluídos" mobilizou militantes de movimentos sociais, Pastorais da Igreja Católica e representantes de entidades de 11 países da América Latina, para defender maior participação popular no governo e o voto em políticos éticos e honestos.

Sob o tema "Brasil: Na força da Indignação, sementes de transformação", a maior concentração do Grito, junto com a "Romaria dos Trabalhadores" foi na basílica de Aparecida, no interior paulista, por onde passaram cerca de 87 mil pessoas, entre militantes e romeiros.

Sem vínculos com partidos políticos, os organizadores do Grito reiteiraram a autonomia dos movimentos sociais em relação ao governo federal, mas não deixaram de manifestar desapontamento com a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Base de apoio do PT e da eleição de Lula em 2002, as pastorais e as entidades de diferentes setores, como o sem terra e sem teto, reclamaram do distanciamento do governo em relação às causas sociais e demonstraram que se depender deles, Lula não terá o mesmo apoio popular de quatro anos atrás. "A eleição não vai ter tanto peso como tinha antes", relatou Ari Alberti, um dos coordenadores do Grito e participante da Pastoral do Migrante. "Nas outras, todas as nossas atividades eram voltadas para as eleições. Agora isso foi relativizado. A eleição é uma parte do processo de mudança, não a última instância".

Na coordenação da Romaria, José Efigênio de Paula disse que não está satisfeito com Lula, mas procurou minimizar os problemas no governo. "Não concordo com os erros, mas sei que eles existem desde o descobrimento do país. Não é um partido que vai mudar a situação", disse o integrante da Pastoral Operária. Líder de movimentos de moradia em São Paulo, Gegê, da direção nacional do PT, também mostrou-se insatisfeito e acha que mudança, só com mobilização popular. "Não me iludo com a eleição".

Engrossando o coro das reivindicações pelas causas dos trabalhadores e há 20 anos na Pastoral Operária, José Felipe Ribeiro reclamou dos problemas sociais vividos pelos mais carentes. "Vivemos uma situação difícil, com tanto desemprego e violência. A classe pobre é quem paga". Apesar da insatisfação, prefere manter o cenário atual político. "Lula não é 100%, mas é melhor que os anteriores. Merece uma segunda chance porque parece que é o que fez mais pelos mais pobres".

Na missa para romeiros e militantes de movimentos sociais, Dom Raimundo Damasceno pediu para a população "não desanimar diante da crise ética" e "da falta de paz nas cidades". Durante a homilia, o religioso alertou os fiéis a votarem com liberdade, responsabilidade e consciência e recomendou o voto em "candidatos honestos, competentes e comprometidos com o povo".

Outro objetivo do Grito era tentar transformar a apatia popular em mobilização para mudar a política. "O povo já estava desconfiado. Agora está desacreditado. O Congresso virou um balcão de negócios e o povo está insatisfeito. Temos de ter força para pressionar debaixo para cima", disse Ari Alberti, um dos organizadores. "A gente sente a população tomada por um marasmo, indiferente depois de tantos escândalos. Mas é exatamente por toda a corrupção que vemos que a população deve se mobilizar", pregou o bispo José Benedito Simão.

O Grito dos Excluídos é ligado à igreja católica e começou com a mobilização de pastorais sociais para combater a desigualdade. Em doze edições, os militantes já defenderam bandeiras como a soberania nacional, em 2002, quando foi realizado um plebiscito contra a Alca e a mobilização popular e "a mudança nas mãos do povo", em 2005, depois das denúncias de corrupção envolvendo o governo.