Título: Onde está a taxa de câmbio no Brasil?
Autor: Holland, Márcio
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Opinião, p. A8

No Brasil atual, um dos temas macroeconômicos mais polêmicos parece ser o dos efeitos da política monetária sobre o nível de taxa de câmbio. Desde que passamos a adotar uma estratégia de política monetária sustentada em regras do tipo Taylor, muito tem sido discutido sobre a função de reação do Banco Central do Brasil às pressões inflacionárias, e muitos estudos mostram que nosso Banco Central parece reagir mais fortemente do que os de outras economias, seja daquelas que compõem a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), seja dos ditos mercados emergentes.

Contudo, muito pouco tem sido estudado sobre os efeitos da função de reação do Banco Central sobre o nível de taxa de câmbio nominal, ou mesmo real efetiva. Neste caso, a taxa de câmbio atua como mero controle da regra monetária ótima, especialmente em uma ambiente de franca construção de credibilidade de política monetária. Em uma metáfora simples, seria como se os nossos policymakers sofressem de miopia e de hipermetropia. Como foi necessário atingir taxas de inflação baixas tão logo possível, e de modo consistente no tempo, fizeram uso de óculos para corrigir a hipermetropia, no que obtiveram seu êxito. Mesmo assim, não conseguiam enxergar o que estava mais à frente e, assim, deixaram a taxa de câmbio seguir níveis indesejáveis.

O que queremos dizer com isso, especialmente agora que se corrigiu a visão para perto, é que a taxa de câmbio passa a necessitar de mais cuidados especiais. Não se pode mais acreditar que essa tão importante variável macroeconômica seja tratada meramente como variável de controle, mas mais provavelmente como uma das variáveis objetivas aos olhos do Banco Central.

Como auxílio do gráfico 1, nota-se que, no Brasil, desde outubro de 2002, quando a taxa nominal de câmbio atingiu o pico, a taxa real e efetiva de câmbio é a que apresenta a tendência mais acentuada de apreciação, quando se comparada com as dos países pertencentes ao BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Desde outubro de 2002, a taxa real e efetiva de câmbio se apreciou aproximadamente 78%, o que, em parte se justifica pelo fato de ela ter passado por um processo de desvalorização causada pela crise de 2002.

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Contudo, olhando o gráfico 2, nota-se que a taxa real e efetiva se apreciou além de sua média do período de regime de câmbio flutuante. Certamente que esse período é relativamente pequeno, mas talvez seja mais interessante do que comparar com o período do regime de câmbio fixo, ou com períodos anteriores de inflação elevada. Assim, a taxa de câmbio de julho de 2006 estaria, em termos real e efetivo, aproximadamente 30% apreciada, em comparação com tal média.

Não se quer dizer aqui que deveria haver uma taxa real de câmbio de equilíbrio de longo prazo, mas tão somente que: 1) o fato de termos uma taxa real e efetiva mais fortemente apreciada no tempo em comparação com outras economias é claro indício de perda de competitividade internacional de nossas exportações; e 2) que essa taxa (real e efetiva) cambial poderia estar menos apreciada do que seu nível atual. Claro que algum economista poderia sacar dados de saldos comerciais recorrentes para dizer que a competitividade das exportações ainda não caiu. Mas, também, não se deve esquecer que preços e comércio internacionais favoráveis adiam ajustes, nem que a taxa de crescimento das exportações vem caindo.

De uma perspectiva mais prática, olhando para qual deveria ser a desvalorização nominal que permitiria atingir um nível médio da taxa real e efetiva, a partir de uma análise dos pesos que compõe tal cálculo, julga-se ser necessário um aumento na taxa de câmbio R$/US$ em aproximadamente 16%, com um desvio de mais ou menos 2 pontos de percentuais. Ou seja, de níveis atuais de R$ 2,16 por dólar (10/08/2006), a taxa de câmbio deveria estar em algo como R$ 2,50 por dólar. Aqui valem duas considerações. Primeira, 16% de desvalorização nominal pode parecer pouco; mas, vale destacar que muitos setores exportadores já se adaptaram aos níveis atuais da taxa de câmbio, com possíveis ganhos de competitividade, ou mesmo pelo maior dinamismo do comércio internacional. Segunda, este exercício supõe inflação no Brasil em 4%, em 2006.

Aquele seria, digamos, o nível de taxa nominal de câmbio que, simultaneamente: 1) deixaria a taxa real e efetiva de câmbio em seu nível médio do período do regime de câmbio flexível (1999-2006); e 2) reduziria a distorção com as taxas reais e efetivas de câmbio dos demais países BRIC, entre outros importantes países para comparação. A pergunta, então, passa a ser a seguinte: que instrumento usar para atingir níveis mais competitivos de taxa de câmbio? Voltemos, então, a falar sobre a receita para se corrigir problemas de visão de longo alcance. A resposta está na mudança da função de reação do tipo Taylor do Banco Central do Brasil permitindo uma curva de juros reais declinantes, combinado com maior ajuste fiscal, e melhoria nos gastos públicos.

Márcio Holland é professor da Escola de Economia da FGV-SP e do IE/UFU. Pós-doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e pesquisador CNPq. E-mail: mholland@fgvsp.br