Título: Vietnã se reinventa e vira o 'tigre da vez' na Ásia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Internacional, p. A7

Sinais de desenvolvimento acelerado são visíveis por toda Hanói, desde os vistosos veículos utilitários esportivos nas ruas até as cidades-dormitório das moradias "executivas" sofisticadas que surgem em meio aos campos nos arredores da capital. George W. Bush e outros líderes mundiais poderão ver a cena por si mesmos em novembro, quando Hanói será sede da reunião de cúpula econômica da região da Ásia e Pacífico.

O encontro acontece em Tu Liem, a nova cidade-satélite que está sendo construída perto de Hanói. O centro de conferências futurista, com seu característico teto de vidro ondulado, parece quase pronto. Ao longo das largas avenidas de Tu Liem, alguns prédios já estão ocupados, outros são apenas esqueletos de aço. Entre os canteiros, vacas e búfalos pastam no que até há pouco era só um pasto.

Antes de começar as suas reformas "doi moi", voltadas para o mercado, em meados da década de 1980, a República Socialista do Vietnã flertou com o comunismo real e esteve próxima de uma epidemia de fome. Desde então, um processo de reforma, no início desigual, começou a ganhar impulso. O crescimento econômico recente, ainda que não tão estelar quanto o da China, tem sido admirável. De 2001 a 2005, sua média esteve acima de 7,5%, atingindo um pico de 8,4% no ano passado. Neste ano, o governo não mede esforços para alcançar a meta de 8%.

Desde 1990, as exportações do Vietnã aumentaram em ritmo mais acelerado do que as da China. E o crescimento não dá sinais de arrefecimento. Entre janeiro e julho, as vendas somaram US$ 22 bilhões, um aumento de mais de 25% na comparação de ano para ano.

Depois de alarmar os brasileiros, ao se tornarem seu principal concorrente em cultivo de café, o Vietnã agora está elevando as suas exportações em tudo: de camarões a navios, passando por sapatos (este último item levou os europeus a anunciarem tarifas antidumping em julho). Recentemente o país se tornou o maior exportador mundial de pimenta, e quer ultrapassar a Tailândia em arroz. E está até vendendo chá para a Índia.

Fábricas de propriedade estrangeira colhem os ganhos mais velozes. A meta do governo, de elevar as exportações de produtos eletrônicos em 27% anualmente, deverá ser impulsionada pela recente decisão da Intel de construir uma fábrica de microprocessadores, de US$ 605 milhões, em Ho Chi Minh (antiga Saigon). Apesar de as safras ainda continuarem aumentando, a taxa de crescimento ainda mais elevada da indústria significa que a fatia da agricultura na produção econômica continua encolhendo - de aproximadamente 25% em 2000, para 21% no ano passado. Até 2010, deve cair para 15%.

Esta revolução econômica está sendo acompanhada por uma outra, de cunho social. Embora o Vietnã ainda seja, como um todo, um dos países mais pobres da Ásia, com renda per capita inferior à da Índia, seu crescimento recente tem sido impressionantemente igualitário. O Banco de Desenvolvimento da Ásia (BDA) avalia que a pobreza extrema no Vietnã - definida como uma renda diária inferior a US$ 1 - está agora ligeiramente menor do que a média para o Sudeste Asiático. Em 1990 a cifra do Vietnã foi superior a duas vezes a média regional. Por esta medida, o Vietnã ultrapassou China, Índia e Filipinas e registra ligeiramente mais pobreza do que a Indonésia.

A expectativa de vida deu um salto, e a mortalidade infantil desabou desde a década de 90. O Vietnã apresenta indicadores melhores nas duas categorias em relação à Tailândia. Quase três quartos das crianças vietnamitas em idade de freqüentar o ensino médio estão nas salas de aula, num aumento em relação a um terço, em 1990. Mais uma vez, o Vietnã ultrapassou China, Índia e Indonésia.

O novo plano qüinqüenal, aprovado pelo congresso de abril do Partido Comunista, no poder, está repleto de metas para aumento de produção e aprimoramento da infra-estrutura, com o objetivo de tornar o Vietnã um país moderno e industrial até 2020. Certamente outros líderes de países asiáticos, da Malásia às Filipinas, declaram objetivos semelhantes. A diferença é que os dirigentes do Vietnã parecem levar isso a sério - e o seu histórico recente indica que eles poderão atingir o seu propósito.

O congresso de abril foi precedido de um expurgo de autoridades do alto escalão suspeitas de corrupção - o caso mais notável foi numa empresa de construção de estradas, onde alguns funcionários roubaram milhões de dólares para apostar em jogos de futebol. Embora Nong Duc Manh, o secretário-geral do partido, tenha sobrevivido, os outros dois membros do triunvirato dirigente - o presidente e o premiê - caíram, dando lugar a sul-vietnamitas mais jovens, tidos como defensores de reforma econômica continuada.

O Vietnã está num bom momento, e suas perspectivas parecem boas. Mas, enquanto o país se insere na economia global, vai se tornando mais vulnerável aos preços voláteis das commodities e a investidores em mercados de títulos instáveis, cujas oscilações na sua maior parte fogem do seu controle. O surto de exportação recente tem sido ajudado pela vigorosa demanda global e pelos altos preços das itens vendidos pelo Vietnã, de arroz a petróleo. Porém uma recessão mundial, ou um tropeço da China, poderia causar uma grande desaceleração. O governo corre para construir usinas elétricas, rodovias e ferrovias em número suficiente para manter a economia em movimento. Qualquer demora aí pode criar problemas.

A continuada aceitação do governo comunista pelos vietnamitas comuns depende em grande parte do seu êxito em gerar prosperidade e melhores serviços públicos. Se ele não conseguir reduzir a corrupção ou criar empregos para os mais de 1 milhão de jovens vietnamitas que entram no mercado de trabalho a cada ano e para o milhão de camponeses que migram para as cidades, a coesão social do país e o seu senso de propósito poderão ficar em perigo.

Por isso é vital acelerar os programas de reestruturação e de venda de milhares de estatais. Elas são mais passíveis de corrupção as empresas privadas e devoram a melhor parte da terra e do crédito escassos, gerando menos postos de trabalho. O setor privado fornece a maior parte do crescimento em postos de trabalho e exportações, porém seria ainda mais eficaz se não fosse pressionado pelo setor público. Le Dang Doanh, assessor do governo, avalia que, não fossem os interesses pessoais que freiam a privatização, o Vietnã estaria crescendo a uma taxa de 11%, como a China.