Título: Ampla muda jeito de atuar para reduzir perdas no RJ
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Empresas, p. B1
A Ampla, distribuidora de energia que atende o interior do Estado do Rio de Janeiro, está tendo sucesso no seu programa de combate às fraudes e furto de energia com uma receita caseira que inclui estudos para analisar a população e mudanças na própria companhia, somado à aplicação de tecnologia de ponta. Em 2003, a empresa resolveu investigar a fundo as razões do fenômeno e contratou a Fundação Getúlio Vargas (FGV). O resultado foi uma queda no índice de inadimplência de 23,1% para 20,9% em três anos. A meta da ampla é reduzi-lo para 15% em 2008.
A FGV chegou a constatações importantes sobre as razões das fraudes e dos furtos de energia. A instituição constatou que o índice de complexidade social (como a ocupação urbana irregular) e a taxa de homicídios nas áreas afetadas têm mais influencia sobre o percentual de fraudes e furtos do que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a renda familiar. Em alguns casos, descobriu que localidades com IDH alto tinham índice de furto mais elevado que outras com índice mais baixo, apesar de registrarem pior distribuição de renda e menor acesso a serviços básicos como educação, saúde e saneamento.
A partir desses estudos e pesquisas, a Ampla concluiu que errava ao adotar no Estado do Rio experiências bem sucedidas no Chile, Argentina, Peru e Colômbia. "Ao investigarmos mais profundamente o nosso mercado e as características do comportamento dos clientes concluímos que as pessoas também não gostavam da nossa maneira de atuar. A Ampla era vista como uma empresa inflexível. E tivemos de reinventar o nosso jeito de ser. Deixamos de ser uma companhia de eletricidade para ser uma companhia de relacionamento com o cliente. Reinventamos a companhia de fora para dentro", informa o chileno Marcelo Llévenes, presidente da Ampla e da Endesa do Brasil, que controla a distribuidora.
Uma das medidas resultantes do diagnóstico foi a mudança do nome Companhia Elétrica do Rio de Janeiro (Cerj), herdado na privatização, para Ampla. Para tirar a pecha de "empresa inflexível" a empresa adotou o que Llévenes chama de reciprocidade no tratamento. "Para ter um bom relacionamento com os clientes é preciso tecnologia. E para evitar o furto é necessário permitir que o cliente adapte o consumo à sua capacidade de pagamento", disse o presidente.
As mudanças na Ampla contaram com reforço da tecnologia na rede elétrica e na forma de medição, passando também por investimentos em carros com GPS. O investimento por cliente é de R$ 1.092. A distribuidora tem 2,2 milhões de clientes, dos quais 1,8 milhão são da classe residencial. Desses, 340 mil são atendidos pela Rede Ampla, sendo que 131 mil têm sua conta faturada por meio de medidores eletrônicos, com chip. Esse número deve aumentar, já que ela está instalando 15 mil medidores por mês. Para 2008, a meta é ter 700 mil famílias conectadas à nova rede, dos quais 400 mil terão medidores eletrônicos.
Llévenes revela que no início da instalados dos medidores houve rejeição aos equipamentos, mas os bons resultados vieram logo. Em 2003 o índice de inadimplência da Ampla era de 23,1% contra uma média de 13,9% das distribuidoras brasileiras. Hoje, o índice está em 20,9% (incluindo as perdas técnicas). A meta da companhia é chegar a 15% em 2008.
Ao implantar o novo sistema a empresa zerou débitos de R$ 60 milhões desde 2004. Isso porque a lei permite que a companhia cobre dois anos retroativos quando detecta que o cliente está furtando energia.
A Ampla está conseguindo reduzir em 2% ao ano o índice de furtos de energia, com melhora de 25% na qualidade, ao mesmo tempo em que incorporou 120 mil novos clientes. Já os investimentos dobraram, passando de R$ 190 milhões em 2003 para R$ 406 milhões, em 2005. E a previsão de investimentos para 2006 também é de R$ 400 milhões.
No ano passado, a distribuidora registrou lucro líquido recorde de R$ 126 milhões. "Descobrimos uma vacina e estamos investindo nela, com grande aumento da qualidade", disse Llévenes, que também faz questão de frisar que 70% da população fluminense não furta. "É errado dizer isso".
A companhia pretende recuperar seus investimentos no futuro. Com menos perdas a Ampla economiza com a compra de energia. Segundo os cálculos do presidente da Ampla, cada ponto percentual na redução de perdas permite uma economia que impacta em R$ 20 milhões o resultado anual da empresa.
Os resultados obtidos pela distribuidora vêem chamando a atenção não apenas do mercado, mas também do presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Gerson Kelman, que promoverá um seminário no Rio para discutir o furto de energia no Estado com magistrados.
"A impressão é que a alta incidência de furtos no Rio não pode ser atribuído só à pobreza. Primeiro porque a indústria e o comércio também furtam, e em segundo porque existem comunidades mais pobres do que as do Rio onde isso não acontece. Acho que o problema tem raízes culturais e se deve ao alto grau de tolerância com a informalidade, aliada a um certo desregramento que se espalha na sociedade fluminense", disse Kelman.
O Rio tem um dos maiores índices de perdas de energia por furto e fraude em todo o país. Segundo ranking da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), relativo a 2005, as perdas comerciais no Rio de Janeiro (sem contar perdas técnicas) foram de 17,1%, resultado da média verificada nas concessionárias Light, Ampla e à Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo (Cenf). O estado fica atrás apenas do Maranhão e Rondônia (ambos com 21,2%) e Alagoas (17,8%). O melhor índice foi do Paraná (1,3%), enquanto São Paulo teve perdas comerciais de 5,3% e Minas de 1,6%. Na Bahia foi de 5%.