Título: No Vale do Silício, o canto da sereia é fechar o capital
Autor: Burrows, Peter
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Empresas, p. B3

Há muito tempo Michael E. Marks tem sido uma espécie de vendedor. Como executivo-chefe da Flextronics, ele passou 13 anos convencendo outros executivos a deixarem a companhia, especializada em manufatura sob encomenda, assumir o controle de suas fábricas e fabricar seus produtos. "Eu passava meus dias ligando para pessoas que administram companhias de tecnologia, perguntando porque eles ainda cuidavam da própria produção: 'Por que vocês não nos deixam fazer uma oferta de compra por suas fábricas?'", lembra Marks. Quando se aposentou, no ano passado, ele havia transformado a Flextronics em uma gigante de US$ 16 bilhões.

Agora, Marks entoa um outro "canto de sereia" para executivos do setor de tecnologia: "Deixe-me transformar sua companhia em uma empresa de capital fechado". Ele faz parte de um exército de profissionais de fundos de investimento especializados em comprar participações acionárias - o chamado "private equity" -, e que invadiu o Vale do Silício em busca de candidatos a uma aquisição.

Marks trocou sua apertada baia na Flextronics por um escritório decorado em Menlo Park, Califórnia, na Kohlberg Kravis Roberts (KKR), a lendária empresa de compras alavancadas. Trata-se de um modelo pelo qual uma grande quantidade de dinheiro de terceiros - como títulos ou empréstimos -, é usada para adquirir uma companhia, o que permite fazer enormes aquisições sem comprometer muito capital próprio. Freqüentemente, os ativos da empresas adquirida são dados como garantia pelos empréstimos. "Eu praticamente passo o dia ligando para as mesmas pessoas", diz Marks, "mas em vez de tentar conseguir as fábricas, eu tento comprar as companhias inteiras, ou partes delas".

Esse modelo está tendo uma recepção surpreendentemente calorosa. Após meia década de muita pressão para que atinjam suas metas de resultados trimestrais, de estagnação ou encolhimento do preço das ações e de exames minuciosos de tudo que vai da terceirização de serviços à contabilidade das opções de ações, muitas companhias tecnológicas estão prontas para considerar a possibilidade de fechar o capital. Elas acreditam que podem prosperar fora do olhar penetrante do mercado.

É claro que uma compra alavancada também pode tornar os executivos fabulosamente ricos: eles dão um grande impulso a suas próprias ações vendendo a empresa a um ágio que normalmente chega a 20%. E na maior parte dos negócios, a cúpula administrativa é convidada a investir junto com os proponentes do negócio, em troca de ações a preços baixos e robustas concessões de opções de ações. "Todo tipo de gente está pensando nesse tipo de negócio", diz o executivo-chefe de uma grande companhia de tecnologia, que pediu para não ser identificado. "Hoje em dia, se você não atinge a meta de lucro por um centavo, acaba sendo fritado. Mas aí, existe a opção de fechar o capital, com a qual você pode fazer muito dinheiro."

As coisas começaram a esquentar um ano atrás, quando a gigante do processamento de dados SunGard Data Systems fechou o capital num negócio de US$ 11,4 bilhões, a maior aquisição alavancada no setor de tecnologia em anos. Desde então, muitas fizeram o mesmo. Em novembro de 2005, a Serena Software, de San Mateo, vendeu-se à empresa de participações Silver Lake Partners por US$ 1,3 bilhão. E em agosto, a KKR e a Silver Lake compraram a unidade de chips da Philips por US$ 9,5 bilhões. Enquanto isso, empresas que fecharam o capital no começo da década, como a Seagate Technologye a Verifone, voltaram a atacar com bem-sucedidas aberturas de capital.

Isso abriu os olhos de muitos executivos do setor de tecnologia para as possibilidades do capital fechado. Hoje, entre as empresas que estão sendo avaliadas figuram Sun Microsystems, NCR, Symantec e muitas companhias de telecomunicações com problemas, como Siemens, Nortel e Avaya. Grandes empresas de manufatura sob encomenda, como Jabil Circuit e Celestica ocupam posições de destaque em algumas listas, assim como prestadores de serviços como a EDS. E desde o negócio com a Philips, muitos fabricantes de chips de começaram a ligar para os fundos de investimento, segundo afirmam fontes do setor.

Uma onda de fechamento de capital representaria uma grande reversão do comportamento clássico do Vale do Silício. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, as companhias de tecnologia prosperaram sobre uma combinação de alta octanagem de capital de risco, opções de ações e aberturas de capital. A pesca das empresas de aquisições alavancadas eram ralas. As companhias de telecomunicações cresciam rápido demais, consumindo muito capital e apreciando demais a alta de suas ações para considerarem essa opção.

Mas os tempos mudaram. Agora, as companhias de tecnologia mais maduras lutam para crescer 10% ao ano. Ações que são verdadeiros símbolos como as da Microsoft, Intel, EMC e Dell vêm "andando de lado" (ou coisa pior) há anos. Com as reservas de caixa em alta, já que os administradores estão segurando os investimentos relacionados ao crescimento, dezenas de companhias conhecidas tornaram-se candidatas a compras alavancadas. Em julho, analistas da Prudential Equity testaram um banco de dados para alvos de aquisições e acabaram chegando a nomes como Hewlett-Packard (HP) e Applied Materials.

Os fundos de investimento em participações deverão levantar até US$ 280 bilhões em todas as partes do mundo neste ano, segundo o centro de estudos Private Equity Intelligence, o que poderá tornar possível a ocorrência de grandes negócios de uma hora para outra. "Certamente é um exagero meu, mas qual é a diferença entre um negócio de US$ 30 bilhões e um negócio de US$ 300 bilhões? Apenas umas ligações telefônicas a mais", diz Edward Keon, analista da Prudential. "À medida que mais dinheiro flui para os investimentos em participações e a pressão para que ele seja usado cresce, é possível que esses negócios fiquem cada vez maiores."

Na prática, há limites. É claro que nenhuma companhia se encaixa melhor no perfil de crescimento mais lento e fluxo de caixa elevado do que a Microsoft. Mas é difícil imaginar financistas juntando os US$ 84 bilhões em dinheiro que seriam necessários para uma compra de US$ 336 bilhões, supondo o pagamento de um ágio de 30% sobre o preço das ações, com um quarto disso sendo assumido pelos fundos. Ao invés disso, fontes do setor afirmam que o maior negócio possível a essa altura seria um de US$ 50 bilhões - suficiente para um avanço sobre a Texas Instruments ou talvez a fabricante de PCs Dell.

Os executivos dizem que o principal estímulo, mais do que ficar ricos, é a chance de se concentrarem em decisões de longo prazo, como vender divisões ou impulsionar a área de pesquisa, o que ser necessário para entusiasmar suas empresas, mas assusta Wall Street.

A brigada do capital fechado encoraja essa mentalidade. "A maioria dessas companhias é muito boa, e nós as estamos libertando da administração baseada em resultados trimestrais", diz John W. Warren, sócio da empresa de participações Texas Pacific. "Quanto tempo do dia de um executivo-chefe é gasto com preocupações sobre a mais recente investigação do governo ou com conversas com algum gerente especializado em proteção de investimentos sobre a possibilidade das encomendas subirem 0,1% ou 1% neste mês?"

Muito tempo, diz Christóbal Conde, da SunGard. Ele recorda que quando dirigia uma companhia de capital aberto costumava ficar com os resultados trimestrais na cabeça o tempo todo, como se fossem a música de um comercial de TV que você tenta esquecer mas não consegue. "Em uma companhia aberta, grande parte de sua credibilidade pessoal está ligada à volatilidade dos lucros", diz Conde. Antes, ele podia financiar apenas de oito a dez projetos de pesquisa e desenvolvimento de uma vez sem atrair a ira dos muquiranas de Wall Street. Agora, afirma, possui 53 projetos diferentes em andamento e um orçamento para pesquisa e desenvolvimento cinco vezes maior do que quando a SunGard era uma companhia aberta.

Mesmo assim, fechar o capital não é uma panacéia para todas as queixas das companhias de tecnologia. Para começar, negócios maiores normalmente são financiados em parte por bônus de alto rendimento, que exigem uma prestação de contas trimestral. Portanto, você troca as reclamações de acionistas concentrados nos lucros do próximo trimestre por detentores de títulos da dívida atentos às classificações de crédito e à queima do caixa.

As empresas de investimento em participações também podem ser mais exigentes do que Wall Street. Douglas G. Bergeron deixou a Gores Technology, de aquisições alavancadas, para comandar a Verifone, depois que a fabricante de equipamentos de processamento de cartões de crédito foi comprada da HP em 2001. Graças à sua abertura de capital em 2005, a Verifone viu seu valor subir de US$ 50 milhões para US$ 1,5 bilhão na época. Mas isso exigiu uma reorganização administrativa total e um foco na área operacional que, segundo Bergeron, falta em grande parte às empresas de tecnologia: "Você pode esconder muitos problemas quando cresce 25% ao ano, mas esse não é mais o caso para essas companhias. E as empresas de participações não toleram a ineficiência administrativa".

Isso soa meio assustador, mas não serão poucas as companhias de tecnologia que provavelmente vão se arriscar. (Com Justin Hibbard, de San Mateo, EUA)