Título: Ociosidade da indústria diminui, mas gargalos são localizados, aponta estudo
Autor: Neumann, Denise e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, Empresas, p. A2

A utilização da capacidade instalada cresceu fortemente nos últimos meses. Porém, esse incremento foi impulsionado por três setores - produção de álcool, máquinas e equipamentos e artigos de couros e calçados -, que estão longe de exercer algum tipo de pressão de alta nos preços da economia brasileira. Além disso, a importação ajuda a segurar pressões por reajustes de preços, ajudando a compor um quadro favorável à flexibilização da política monetária, apesar dos sinais de aumento da demanda em níveis superiores ao da oferta. Esse quadro de tranqüilidade aparece em estudo da LCA Consultores sobre a recente evolução da ociosidade da indústria no país.

A LCA Consultores reelaborou o indicador que mede o nível de utilização da capacidade instalada na indústria, calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), conhecido por NUCI. O dado original (já dessazonalizado) mostra que em março a indústria operou ocupando 81,7% da sua capacidade, nível apenas 0,8 ponto percentual abaixo dos 82,5% do pico histórico, alcançado em agosto de 2004, um mês antes do Banco Central dar início à longa trajetória de sucessivas altas da Selic.

Para chegar à conclusão de que o atual processo de aceleração do crescimento não embute riscos inflacionários - e, por consequência, o risco de um novo endurecimento da política monetária -, a LCA recalculou os dados da CNI adotando uma nova forma de ponderação. A CNI pesquisa o NUCI de 19 atividades e os pondera pela quantidade de pessoal ocupado. A LCA refez os dados pelo peso de cada setor no valor de transformação industrial (VTI).

Reponderado, o NUCI de março passado mostrou que, na média, a indústria brasileira estava ocupando 82,9% da capacidade, indicando ociosidade média de 17,1%. Por essa série, o pico de utilização ocorreu em julho de 2004, quando ficou em 83,1%. Apesar de muito próximo, o nível de utilização deste ano revela um quadro mais tranqüilo de suprimento de oferta que o de 2004, diz Bráulio Borges, economista da LCA.

A conclusão do economista está baseada na análise dos setores que explicam os dois percentuais elevados. Em 2004, metade dos setores industriais estava ocupando mais de 84% de sua capacidade (pelo índice mediano), enquanto em 2007, o índice que divide os setores está menor: 81%.

Com base nos novos cálculos, o economista Bráulio Borges, da LCA, argumenta que não está ocorrendo um estreitamento generalizado entre oferta e produção na indústria. "Os gargalos de oferta são setoriais, não existe gargalo macroeconômico", explica ele. Setorialmente, diz, os problemas aparecem em setores com pouco impacto inflacionário. E a importação ajuda a segurar pressões por reajustes.

De acordo com seu estudo, o maior responsável pela elevação do NUCI nos últimos meses foi o setor de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool, cujo indicador passou de 82% em janeiro de 2006 para 92% em março. Essa atividade tem um peso de 11% na estrutura da produção industrial brasileira. A expansão da utilização se deu, contudo, ancorada na maior produção de álcool que, por sua vez, é fruto da crescente demanda doméstica e mundial por biocombustíveis.

Ainda que a procura por esses produtos continue forte e a oferta não acompanhe o ritmo, Borges descarta reajustes significativos no preço do álcool. Como no mercado os carros funcionam tanto a álcool quanto a gasolina, se o preço de um deles aumentar muito, ocorrerá uma migração para o outro, o que restringe valorizações expressivas no preço dos combustíveis.

O segundo ramo industrial que mais impactou a elevação do NUCI este ano é o de máquinas e equipamentos, que reúne bens de capital e eletrodomésticos, tanto da linha marrom como branca. Aqui, tanto a produção doméstica de bens de capital está crescendo (14,8% nesse começo de ano) como as importações de máquinas aumentaram a um ritmo de 30%.

Para o economista da LCA, a robustez das compras de máquinas e equipamentos importados e também da produção interna, que já avançou 14,8% nesse começo de ano, sinaliza que a demanda por investimento está bastante aquecida, apontado para um aumento futuro da capacidade de oferta industrial.

O terceiro setor com nível elevado de utilização é o de preparação de couros e fabricação de artefatos, que inclui calçados. A preparação de couros, contudo, tem peso de 2% no conjunto da indústria e ainda que a produção tenha crescido 15% e a ociosidade tenha sido reduzida de 18% para 11% da capacidade instalada, esse segmento não tem impacto inflacionário sobre os demais segmentos industriais.

Essa pressão localizada indica, para a LCA, que o cenário é benigno para a inflação, e mostra-se, portanto, favorável à flexibilização da política monetária. Por isso, Borges aposta que o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzirá em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros na próxima reunião, no começo de junho.

As projeções para os demais encontros também são mais otimistas do que a média das consultorias e bancos ouvidas pelo Banco Central e apresentadas no relatório de mercado. A LCA estima que a Selic chegará a 10,25% ao final do ano. O mercado, por sua vez, espera, por enquanto, que a Selic encerre 2007 em 10,75%.