Título: Cartilha australiana
Autor: Vieira, Catherine e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

Em 1999, a seguradora australiana "Bug" do Milênio tinha descoberto um grande filão: vender um serviço de seguro inovador a grandes empresas para garantir que elas não teriam perdas com seus computadores por conta do "bug" que aconteceria na virada do ano 2000. Mas para esse projeto precisava de investidores dispostos a aplicar milhões de dólares em suas ações. Nada menos que 233 aplicadores se dispuseram a destinar entre 10 mil e 50 mil dólares australianos para o projeto e outros 1.200 chegaram a solicitar mais informações. Mas, na hora de fechar o negócio... surpresa! Era apenas uma "pegadinha" de 1º de abril que a própria equipe da CVM local tinha preparado para mostrar aos investidores o quão vulneráveis eles podem estar aos oportunistas de plantão.

Quem não acredita pode dar uma olhada no Fido (www.fido.gov.au), site direcionado ao investidor e consumidor de serviços financeiros da Australian Securities & Investments Commission (Asic), que se tornou uma referência nesse terreno para instituições do mercado de capitais de todo o mundo. A própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira, que está elaborando uma página dedicada aos investidores individuais, tem se inspirado em experiências internacionais e principalmente na australiana para montar um serviço eficiente.

As histórias comandadas por Fido, o cachorrinho que é uma espécie de mascote do site australiano, já se tornaram lendárias. Além de jogos educativos, dicas de planejamento financeiro e calculadoras interativas, o site mantém uma área em que os próprios investidores trocam experiências e contam os maus bocados pelos quais já passaram.

É o caso do jovem Dean que, aos 18 anos, recebeu uma proposta para aplicar apenas 500 dólares australianos e arranjar mais um amigo para, em poucas semanas, receber de volta 10 mil dólares australianos. "Era impossível resistir", conta ele no site. Mas logo descobriu, da pior forma, que a proposta era "boa demais para ser verdade". Nas palavras do próprio Dean, em seu depoimento, é preciso ter cuidado com as promessas de ganhos mirabolantes. "Eu e meu chefe, que foi quem me trouxe a proposta, perdemos tudo, era um esquema de pirâmide e fomos enganados", diz ele.

Segundo o vice-presidente da Asic, Jeremy Cooper, que esteve no Brasil para as comemorações dos 30 anos da CVM brasileira, o trabalho tem dado resultados. Mas, apesar dos esforços para manter os investidores conscientes e alertas, Cooper ressalta que é preciso ter cuidado para não ser paternalista demais. "Nosso grande desafio é tentar fazer com que o investidor esteja atento e com todas as informações disponíveis, mas ao mesmo tempo temos uma tarefa difícil que é a de não deixar que ele acredite que a Asic vai sempre protegê-los de todos os perigos", afirma Cooper.

De acordo com ele, a idéia de criar um site só para educação de investidores, o Fido, surgiu no fim da década de 90, após uma reestruturação no modelo de fiscalização e regulação do mercado australiano. Lá, eles têm um modelo diferenciado, que foca no consumidor e no investidor, integrando a fiscalização de setores como seguros, investimentos, previdência e até cartão de crédito. No entanto, as atividades na Austrália foram divididas de outra maneira. Em vez de haver um órgão regulador e fiscalizador para cada ramo de atuação, há uma entidade mais focada na fiscalização e proteção do investidor, que é Asic, e outra voltada para a regulamentação que é a Australian Prudential Regulation Authority (Apra).

Cooper lembra que lá o xerife do mercado é conhecido como "watchdog", ou seja, o cão de guarda. Daí veio a idéia de o mascote Fido ser um cachorro. "Em breve, vamos deixar de ter apenas o site para começar a ter pontos fixos em espaços públicos", conta o vice-presidente da Asic. Ele explica que estes espaços serão espécies de quiosques do Fido, com material educativo, jogos que ajudam a aprender a investir, listas dos agentes do mercado licenciados pela entidade e também dos golpes mais comuns que costumam ocorrer.

Todos esses cuidados vêm ajudando a Austrália a ser um mercado pujante. São mais de 1,9 mil companhias abertas listadas com uma capitalização de mercado total de mais de US$ 900 bilhões. Da população total de 20,6 milhões, praticamente todos em idade economicamente ativa mantém algum tipo de aplicação, sendo que 55% deles investem em ações diretamente ou por meio de fundos. "A indústria de fundos reúne cerca de US$ 625 bilhões e é a quarta maior do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Luxemburgo e França", diz Cooper. "O australiano tem, em média, US$ 34 mil investidos em fundos", acrescenta ele.

No Brasil, a educação financeira não é preocupação apenas do órgão regulador. A Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), por exemplo, criou recentemente o site www.comoinvestir.com.br com explicações sobre o mercado de ações e fundos. A área que trata de renda fixa será lançada em breve, diz o diretor da associação Eduardo Penido. Como a parte de renda fixa engloba vários tipos de ativos (debêntures, títulos públicos, notas promissórias), ela será subdividida. A Anbid está bastante satisfeita com os 12 mil acessos que o site tem por mês. Aos poucos, os bancos também estão substituindo o conteúdo de seus sites pelo da Anbid. A associação lançou recentemente uma cartilha sobre investimentos específica para o público jovem e tem feito palestras em escolas e universidades.

Além do site, a CVM também montou um comitê voltado para discutir iniciativas no campo da educação financeira, do qual faz parte entidades de mercado, como a própria Anbid. "Entre as iniciativas, estamos montando palestras em outros estados e cursos sobre o mercado financeiro para professores universitários", afirma Penido, da Anbid.