Título: Pacote cria nova gama de negócios para bancos
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Finanças, p. C1

O pacote cambial abre espaço para a ampliação de um importante negócio para os bancos: o gerenciamento de caixa no exterior para empresas exportadoras brasileiras. Ainda faltam regulamentações para a Medida Provisória 315, que baixou as linhas gerais do pacote, e por isso ele ainda não está em vigor. Mas os bancos já estão visitando seus clientes exportadores para oferecer a eles a abertura de contas no exterior, movimentação via internet, além de discutir a possibilidade de aplicações no mercado internacional, inclusive as que oferecem os polpudos juros do mercado interno brasileiro.

O potencial de negócios para os bancos chega a US$ 30 bilhões ao ano, visto que 30% das receitas com exportações brasileiras agora poderão, com o pacote, ficar fora do país, lembra o diretor do Bradesco, José Guilherme Lembi de Faria. Hoje, uma minoria dos exportadores brasileiros tem contas no exterior. Com o pacote, a maioria deve se interessar em fazer isso. No Itaú BBA, que atua junto às maiores empresas brasileiras, apenas 10% dos 1.100 clientes têm contas no exterior, calcula Luiz Campiglia, diretor.

Com tanto dinheiro de empresas brasileiras que poderá ficar fora do país, o mercado para títulos em reais do governo federal no exterior deve crescer muito, avalia Campiglia. Os exportadores poderão ganhar com as altas taxas de juros em reais, mas no mercado externo, sem precisar ingressar com suas receitas no país e pagar CPMF. Também não se sabe como serão tributadas as aplicações no mercado internacional. Se não houver imposto na fonte, os exportadores terão aí mais um ganho fiscal.

Campiglia acredita que se por um lado os bancos vão ganhar com a ampliação dos serviços de gerenciamento de caixa no exterior, por outro lado vão perder com um volume menor de contratação de câmbio. "Acho que o fechamento de câmbio à vista pode ter uma significativa redução", avalia ele.

Segundo Campiglia, todas as grandes exportadoras poderão ser clientes potenciais da agência em Nassau do Itaú BBA. Já as pequenas e médias empresas poderão abrir contas na agência do Itaú em Nova York. Os sistemas do Itaú BBA podem ser customizados de acordo com as necessidades dos clientes, diz Campiglia, e o caixa pode ser gerenciado pela internet 24 horas por dia.

"Algumas empresas podem preferir abrir contas na Europa, na Ásia ou mesmo em outros países da América Latina", afirma Augusto Braúna, diretor da área internacional do Banco do Brasil. Segundo Braúna, o BB possui 30 agências e nada menos do que 40 dependências no exterior que poderiam ser usadas por empresas brasileiras. "Estamos investindo em sistemas para melhorar nosso serviço às empresas", comentou Braúna. Ele disse que, com toda a expectativa em torno do pacote, o banco se antecipou à edição da Medida Provisória 315 e passou, desde o início do ano, a procurar as empresas exportadoras, principalmente aquelas que são também importadoras, para que passem a pensar na hipótese de abrir a conta no exterior.

Além de aplicações em reais, em dólar ou outras moedas, os bancos brasileiros estão se preparando para oferecer aos exportadores no exterior todos os tipos de derivativos e produtos de gerenciamento de risco de crédito, moedas ou de hedge de preços de produtos exportados ou importados, diz Lembi de Faria.

A grande dúvida que permanece em relação ao pacote e que pode mudar tudo é como a Receita Federal vai fazer para vincular o fluxo de recursos da importação ou exportação ao fluxo de mercadorias. São esses controles - hoje feitos automaticamente por meio de documentos no sistema da Receita, o Siscomex, e no sistema do BC, o Sisbacen - que impedem inúmeras fraudes e falcatruas. A circular do BC, de número 3.325, que regulamentou o pacote, flexibilizou e tirou os vínculos entre os dois sistemas. Os próprios bancos estão preocupados sobre a perda de controle sobre o fluxo de mercadorias de seus clientes. Caberá à Receita, por meio de instrução normativa, resolver o dilema.

Também não se sabe, por enquanto, como a Receita vai garantir o pagamento dos impostos sobre, por exemplo, os juros remetidos ao exterior nas dívidas externas, sobre lucros e dividendos enviados etc. Hoje, todo o dinheiro usado para esses fins tem de entrar no país e o contrato de câmbio só é fechado pelos bancos após o imposto ter sido pago.

Há uma certeza, no entanto: se a Receita quiser mesmo fiscalizar mais de perto as grandes empresas que resolverem manter contas no exterior, muitas exportadoras vão preferir manter as coisas como estão hoje e os bancos vão perder clientes para seus serviços de gerenciamento de caixa no exterior. Afinal, as grandes empresas não querem ficar com a Receita em seu calcanhar. Outras vão preferir manter recursos nas contas dos bancos no exterior.

Provavelmente caberá ao próprio exportador ou importador mostrar o vínculo entre o fluxo de suas receitas e despesas ao fluxo efetivo de mercadorias. Se assim for, os bancos terão de criar sistemas adequados às necessidades do Fisco para ajudar seus clientes. "Os bancos nacionais, com sistemas proprietários, provavelmente terão muito mais agilidade para fazer as adaptações necessárias", diz Campiglia. Ele defende que a conta do exportador tenha de ser aberta em um banco que está instalado no país. "Se a conta ficar em um banco sobre o qual a Receita não tem poderes e o exportador não prestar contas, a Receita poderá ficar sem controle algum", argumenta.